Farpas de um Natal!
João Bosco de Castro.
Um dia, tanto pecado
Deste Mundo tão boçal
Fez nascer um Menininho
— Assinzinho, qual mindinho —,
Nas estivas dum curral,
Muito frio e emborrascado!
Era, uma vez, um Menino!…
Era, uma vez, um minúsc’lo!…
Era, uma vez, um Divino
Que, sempre, será Maiúsc’lo!…
Nasceu, ali, entre reses,
Longe de plumas e painas,
E deu asilo aos pastores,
Amáveis contempladores,
E reanimou-lhes as fainas
Diárias, com bons jaezes!
Enfrentou grandes torpezas,
Cultivou dotes gentis,
Não adulou as riquezas,
Mas perdoou gentes vis!
Coisou de cabras montesas,
Engalanou bem-te-vis,
Fez prodígios de proezas:
Amou verdugos hostis!
Ensinou a reis minazes,
Com seus verbos muito amáveis,
E enxotou ladrões vorazes,
Com chibatadas placáveis
— Pra que, na Paz, haja pazes
E momentos memoráveis!… —,
Em favor da Inteligência,
Contra qualquer violência!
Mas não pregou a discórdia,
Nem sustentou a injustiça,
Nem adotou a incúria,
Sequer a falácia e a injúria!
Não fez a mentira nem a preguiça,
Mas semeou a rosa da concórdia,
Da tolerância e do amor:
Da autodoação desinteressada!
Refutou hosanas e pilatarias,
Améns e quaisquer vilanias.
Não inventou a ganância
E a discriminação materialistas
E lucristas deste Natal faraônico,
Enganoso e antiCristo,
Que não Lhe pode ser a Festa
De Sua Santa Nascença,
Por injusta e por funesta,
Porque nos traz a descrença
E porque mutila a alegria
De milhões e milhões de criancinhas
Pobres e abandonadas,
A se mirrarem… Vexame!… :
“Eli! Eli! Lamma Sabactani!”,
Travos de vinagre e fel
Que espinham o coração e a vontade
Recôndita do mísero proletário,
Contra o vinho e o fino mel,
Que mais assanham ao onzenário
A cupidez marginalizadora
E esgorjante do poder econômico!
Um dia, todo o pecado
Desta Terra tão boçal
Fez nascer um Menininho
— Assinzinho, qual mindinho —,
Em borrascas, num curral,
Que tentou curar o Mundo,
Pestiloso, podre e imundo,
Mas não criou o Natal!
Belo Horizonte-MG, 10 de dezembro de 1987.