No dia 4 de outubro de 1927, a “Folha da Noite” — Caderno Único” — publicou a reportagem destacada neste post.
No texto — transcrito com a grafia daquela época — encontramos, 90 anos depois, a narrativa de um procedimento nada recomendável para um honorável serventuário [atualmente é funcionário] da Justiça.
Leia, o texto a seguir, por favor:
No Forum Criminal
UM FUNCCIONARIO QUE ESQUECE OS SEUS DEVERES
Um facto deveras escandaloso passou-se hontem no Cartorio do Juiz da 1.a vara Criminal.
Estava marcado para as 12 horas o summario de culpa do indiciado Miguel Trad.
Como se sabe, esse individuo fora processado recentemente pela Delegacia de Costumes, como mercador de tóxicos.
Intimadas as testemunhas, que são todas inspectores do Gabinete de Investigações, os quaes acompanharam a diligencia policial. Á hora marcada lá estavam. Á disposição do magistrado.
Em cartório, apresentaram as intimações ao escrivão respectivo, que se achava em companhia de um oficial de justiça.
Estabeleceu-se entre as testemunhas e o escrivão, depois de haver este guardado no bolso as intimações, o seguinte diálogo:
— Mas os senhores não receberam aviso?
— Qual aviso?
— De que o summario não se realiza hoje…
— E quando terá logar?
— Talvez quarta-feira.
— Pois nós não recebemos nenhuma comunicação.
— Podem voltar, que encontrarão na delegacia um recado para os senhores.
De facto, o sub-chefe dos inspectores recebeu um bilhete nesse sentido, e tudo se passaria como sendo verdade insofismável, sí á noite, não houvesse comparecido na Delegacia de Costumes o primeiro promotor publico, dr. Cesar Salgado, que expoz ao dr. Juvenal Piza o inconveniente que resultara da falta das testemunhas em plenário.
Tal notícia causava estranheza áquella autoridade, visto que os inspectores haviam comparecido á hora marcada no local indicado.
Ficou, em face disso patenteada a má fé com que agiu o funccionnario em cartório, que contribuiu dessa fórma para que adiasse o summario [não legível] dando margem a um pedido de “habeas-corpus” a favor do indiciado.
Não queremos acreditar que existia na Justiça Criminal outro funcionário que de tal fórma se esqueça do cumprimento dos seus deveres.
E para que não paire duvida sobre a honorabilidade dos muitos serventuarios honestos, urge uma severa syndicancia afim de ser o caso apurado convenientemente para interesse da própria Justiça.
Não há, na reportagem, qualquer indicação motivadora para o comportamento aludido. Afinal, quem errou? O funcionário? A Justiça? O certo é que houve prejuízo para o erário público.
E nos dias atuais? Acontecem fatos semelhantes?
Importante observar que, no Estado Democrático de Direito, há — e parece que sempre houve —, um sistema de proteção integrada, cognominado de segurança pública.
Diogo Figueiredo Magalhães Neto, em “Revisão doutrinária dos conceitos de ordem pública e segurança pública – uma análise sistêmica, discorreu sobre segurança pública e definiu-a “como a garantia da ordem pública”, propondo-a, ainda, como sistema, além de evidenciar os
subsistemas da segurança pública básicos: o policial, o judicial e o penitenciário. O subsistema policial faz parte do Poder Executivo; o subsistema judicial, do Poder Judiciário, e o penitenciário, de ambos os Poderes […]. De todos esses subsistemas, entretanto, é o subsistema policial o mais problemático: é o que está mais próximo das perturbações da ordem pública, é o que deve atuar imediata, concreta e diretamente em benefício dela e é o que, por isso, tem sua atuação preponderantemente discricionária, inesgotável em fórmulas casuísticas.
Na reportagem destacada, lemos que há três atores dos dois poderes, responsáveis pela funcionalidade do sistema de segurança pública. Um dos atores, concorreu, sabidamente — não se sabe o porquê — para a inefetividade da garantia da ordem pública.
Fonte: texto (Folha Noturna) e foto (Pixabay)