Carlos Alberto da Silva Santos Braga
Amanheceu. Como todos os dias, como todos os cidadãos do mundo
contemporâneo, como todos os homens e mulheres, nos levantamos e nos
damos ao luxo de buscar as novas notícias sobre nós mesmos, nossos
familiares, nossos amigos, nossa cidade, nosso Estado, nosso País e nosso
Mundo.
São temas que agradam a cada um, a partir daquilo que melhor impactua no seu
humor, nas suas expectativas, nas suas ansiedades, nas suas frustações e
sobretudo na sua educação.
Educação um tema tão grandioso e ao mesmo tempo tão desprezado, sinto
saudades das terras de além-mar, onde as primeiras palavras eram:
– “Olá, bom-dia! E então?”
– “Com licença, bom-dia! Por favor….”
– “Obrigado, com licença, continuação.”
– “Cumprimentos, com licença.”
Ao abrir os aplicativos sociais do meu smartphone, veem-me uma enxurrada de
mensagens. Muitas reencaminhadas, mas que desejam um bom-dia e eu,
educadamente, respondo-as com as mesmas imagens ou palavras, ou seja, a
quem me enviou imagens, respondo com imagens, a quem me enviou textos,
respondo com palavras, a quem me manifestou fé, respondo com fé.
Há também aquelas mensagens enviadas, que se revestem de política, de
futebol e de problemas da sociedade, para os mais próximos, desejo um bom-
dia, para os outros, sou indiferente, creio que estava ativado o modo “robot” e
provavelmente ele nem sabe que a mensagem foi enviada.
Mas o que fazer? São estas as manifestações da atual sociedade, dessa
sociedade contemporânea, que em determinado momento foi rotulada de
sociedade da informação e que nada mais é do que a sociedade que replica as
informações de interesse do “estabelecimento”, dos algoritmos que tudo fazem
para manter as pessoas exatamente no mundo em que elas querem viver.
Se o meu mundo é da política contestatória ao governo estabelecido, receberei
inúmeras mensagens, já previamente construídas e na quase totalidade não
revestida das verdades, para que eu possa me iludir e pensar que o meu modo
“robot” de mim mesmo está fazendo a coisa acertada e sigo feliz, escutando o
canto dos cisnes. Não sei por que, mas me lembrei da obra A Revolução dos
Bichos, de George Orwell.
Se o meu mundo é do entretenimento, esse é o mais fácil de todos,
doutrinação e relativização a todo-vapor. Doutrinação e relativização de quem?
Para doutrinar e relativizar é necessário que o sujeito conheça o outro lado da
moeda, se não o conhece, vem outra obra, O Mito da Caverna, de Platão.
Se o meu mundo é o mundo dos esportes, genial, o novo circo, agora com a
atualização da tecnologia para retornar aos aspectos invisíveis aos olhos
humanos e retornar ao passado, não para corrigir, mas para garantir que os
incautos permaneçam ligados ao “estabelecimento”, demonstrem a sua alegria,
prendam-se aos conceitos e se mostrem prontos a adquirir produtos, serviços e
prazeres inimagináveis. Mais uma obra maravilhosa me veio à mente,
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.
Se o meu mundo é a sociedade, a sua falta de educação, a sua demanda por
conhecimento, não há com que me ocupar, os aplicativos fornecem uma
imensidade de textos preparados especialmente para você, sobre o assunto
que você quiser, você não precisará saber ler, não precisa entender o
significado das palavras, as imagens e os sons te encantarão.
Não é necessário nada físico, não é necessário um dicionário, você é dono do
seu conhecimento e enquanto você trabalha poderá ouvir o seu tema preferido,
sentir o conhecimento fluir através de ondas. Não há necessidade de uma
biblioteca, um museu, ou mesmo um arquivo físico, digite a primeira palavra e
tudo acontecerá, isso o prometo, assim se manifesta o Algoritmo, a fase mais
recente do “estabelecimento”. Me cheira a queimado, com certeza é Farenheit
451, de Ray Bradbury.
Até aqui, parece-nos, tanto a mim quanto a você, meu leitor ou minha leitora,
que só manifestei distopias, que a minha vida é muito presa ao Conhecimento,
sim grafado com letra maiúscula, como na língua germânica, para expressar os
substantivos, que eu deveria ser mais flexível e não sofrer tanto, afinal estou
me valendo dos mesmos aplicativos que os demais se valem.
Aí meu caro e minha cara leitora, se manifesta o título do artigo “Para não dizer
que não falei das flores”, falarei das flores, sou católico praticante, recebi todos
os sacramentos de iniciação, serviço e cura, sim os de cura também, sempre
que me vejo numa situação de vulnerabilidade física ou espiritual, não
contemplada pela confissão, me valho do sacramento da cura. Realmente a fé
é algo que não se discute, vive-se.
Não discutir, viver e, assim vivo. O sacramento do batismo me tornou
sacerdote, profeta e rei. Justamente por me tornar um profeta, me obrigo a
manifestar aquilo que não se encontra estruturado dentro das verdades
necessárias, aquelas verdades que existem desde o sempre e fazem fluir o
bem, a vida e o amor. São elas que nos elevam da barbárie ao progresso.
Para manifestar a preocupação e agir como um profeta, me valho das mesmas
ferramentas do mal, mas na estratégia do bem. Aquilo que já está estabelecido
não será modificado pela vontade de um, mas pela ação de muitos e não será
divulgando mensagens construídas pelo próprio “estabelecimento” que se modificará o todo. As mensagens devem ser construídas com as ferramentas
do Conhecimento e não com as ferramentas da mentira.
No entanto, querer que pessoas desprovidas de educação encontrem as
ferramentas do Conhecimento, é o mesmo que descrever as cores da parede
para um cego, não tem significado algum, os demais sentidos que ele utiliza
sentem o perfume da rosa, mas não percebem a sua cor; sentem o sabor da
maça, mas não percebem a sua tonalidade; sentem o calor do fogo, mas não
percebem o brasil, a transformação da madeira em brasas, a cor do cerne do
pau-brasil e que deu origem ao nome do nosso País; ouvem o som emitido
pelo pavão, mas não veem a beleza da sua plumagem.
É óbvio que vivemos um mundo melhor, é óbvio que ocorreram avanços, é
óbvio que há mais pessoas felizes no mundo, é óbvio que nos alimentamos
melhor, é óbvio que a hierarquia das necessidades de Abraham Maslow nos
mostra mais completos, no entanto, quase tudo é parte do “estabelecimento”
da engenharia social e das mídias que nos conduzem ao Admirável Mundo
Novo.
Contudo, como em qualquer época da humanidade, há o recurso, o retorno à
barbárie, há aquilo que Giambattista Vico se encarregou de explicitar. Com um
nome que nos lembra um profético, ele nos faz questionar o presente e nos
lembra que a humanidade atinge níveis intangíveis de bestialidade que é
preciso retornar ao caos para poder crescer a assim alcançar um ponto mais
alto de Conhecimento, relações interpessoais e compromisso com a sociedade
que herdamos e entregaremos às novas gerações.
Sim, com certeza a resposta é sim. Se você me perguntar, se na possibilidade
de alguém que viveu há 30 anos passados retornasse a esse mundo, não se
maravilharia com o que encontrou e nos criticaria pelo texto que escrevo?
Mas eu sou do tempo presente, eu não sou do vácuo de 30 anos, eu vivi o
mundo em transformação e percebi em mim e nos meus, a dificuldade que foi
chegar até aqui. De igual forma percebo o “estabelecimento” e uso das armas
que tenho para clamar pelo Conhecimento e não pela difusão de mensagens
construídas no ambiente do Algoritmo, afinal o que diferencia o animal homem
dos demais animais é a sua capacidade de livre-arbítrio.
Sonho e espero que a minha sociedade se transforme e seja como a de além-
mar, que primeiro manifeste a sua educação e depois o seu humor, as suas
expectativas, as suas ansiedades e as suas frustações, talvez eu possa
contribuir com uma palavra, ou talvez não.
Respostas de 8
Texto muito interessante, que nos faz refletir bastante, pois mostra um outro ponto de vista sobre as condutas e comportamentos aprendidos.
Parabéns👏
Meu caro Amigo Valter Braga do Carmo, através do espaço virtual PontoPM procuro apresentar as minhas inquietações, que necessariamente, não são imposições, apenas o meu estado de espírito e a minha consciência sobre a realidade. Fico feliz por agradar às pessoas, especialmente o meu dileto amigo. Cumprimentos e muito obrigado.
Admiro a sua capacidade de observar e por no “papel” de modo tão claro. Estão perfeitamente colocadas.
As transformações foram muito aceleradas com o uso da tecnologia. Principalmente no acesso á informação e conhecimento, o que assustou os controladores e seus meios. Daí o desespero e ações para aumentar e fortalecer o “estabelecimento”.
Um dos gestos para manter tal “estabelecimento” é no ambiente da educação, buscando a ideologização, doutrinação, emburrecimento, através da sedução pela “revolução”, prazer inconsequente e carnal, desconstrução da religião, e substituição do caráter e ética pela etiqueta (pequena ética) do politicamente correto.
Triste também, perceber que fortes culturas, antes invejadas, estão sendo carcomidas.
Meu caro Amigo Antônio Roberto Sá, de lembranças verdadeiras e memórias perenes, muito obrigado pela manifestação de apreço aos meus escritos e particularmente, no momento em que nada parece ser o que é e tudo tem um significado diferente da origem, percebemos que a sociedade segue como os encantados pelo canto da sereia e pronta para se afogar nas águas revoltas da ignorância. Quem sabe, um dia, o espaço virtual PontoPM alcance aqueles que se encontram fora do aquário. Vamos acreditar. Abraços.
Muito bom o texto ! O establishment necessita da verdade virtual e não a real para continuar com as sua imposição cultural e se utiliza bem das atuais ferramentas da informação. Você abordou de forna magistral e didática , o que vem ocorrendo no Brasil , e porque não dizer em várias outras partes do mundo, igualmente desprovidas do conhecimento e da verdade real .
Meu caro Amigo Celton Godinho de Assis, não são apenas as palavras de hoje e nem tampouco o mundo de hoje, em qualquer hoje, seja o que se viveu no passado, o que se vive no presente e o que se viverá no tempo futuro manifesto como um presente, os homens cometerão os mesmos desatinos e aí nos vem aquela passagem bíblica ” do que vale ao homem conquistar o mundo e perder a própria vida” se nada fizermos pela humanidade, nada terá valor. Obrigado por compartilhar comigo, através do espaço virtual PontoPM, das inquietações próprias da alma. Abraços
CARLOS BRAGA, sempre ele, sempre genial, sempre profético, não na perspectiva mítica, mas pelo seu modo estóico de ser, de ver e enxergar o mundo, mercê de sua inteligência lapidada pelo muito esforço seu e estudo de tudo a toda hora, o que lhe faz um aprendiz e mestre ao mesmo tempo da realidade e da vida…
As palavras de CARLOS BRAGA me fazem enxergá-lo como “O OLHO”, em conto do incomparável GIBRAN KHALIL GIBRAN…
“(…)
O OLHO
Certo dia, o Olho disse:
— Eu vejo, além desses vales, uma montanha coberta de névoa azul. Não é linda?
O Ouvido escutou o que o Olho dizia e, depois de prestar atenção por algum tempo, disse:
—Mas, onde está a tal montanha? Eu não a ouço.
Então, a Mão disse:
—Estou tentando, em vão, senti-la e tocá-la. Mas não consigo encontrar montanha nenhuma.
E o Nariz disse:
—Não existe montanha. Eu não consigo sentir o cheiro dela.
Então o Olho virou para o lado e todos os demais começaram a conversar sobre a ilusão do Olho. Disseram:
—Deve haver algum problema com o Olho…
Meu Amigo, Irmão e Ídolo Ernest Soares, de berço culto, de mente brilhante e de posições calcadas no compromisso com a memória dos que o antecederam, no espaço virtual PontoPM coleciono pérolas, a mim ofertadas em comentários elogiosos, como o de vossa lavra – magnífica visão, com certeza Gibran Kahlil Gibran, o grande poeta libanês, nos adverte da hipocrisia e imprudência que existem nos nossos julgamentos. A função do conhecimento é justamente encontrar respostas adequadas ao momento vivido, seja num tempo profético, seja no tempo literário, seja no espaço Líbano, seja no espaço Brasil, o julgamento espaço-tempo perpassa pelos mesmos elementos de validação, talvez sejamos nós mais propícios ao que nos é factível e assim sejamos nós mais propícios a nos enganarmos, na busca de algo intangível e impróprio a nós mesmos. Assim vivemos e assim seguimos a vida, explicitando e clamando para que a trave seja removida dos nossos olhos. Muito obrigado pela oportunidade de compartilhar o Conhecimento, sim com inicial maiúscula, como são os substantivos na língua germânica. Cumprimentos.