Temos 20 anos em que greves de policiais militares acontecem no país. E ao longo da História brasileira tivemos greves de forças policiais desde o Império. O Exército já se amotinou, várias forças já foram extintas e recriadas por causa de conflitos entre elas e com o governo.
Parece que desaprendemos a lidar com isso – e esse desaprender é intencional. O que eu vejo são cálculos oportunistas. A ideia do “quanto pior, melhor” tem favorecido péssimos governantes.
Jacqueline Muniz – Fonte.
Devem ser lidas, analisadas e refletidas — principalmente pelos profissionais de polícia ostensiva e preservação da ordem pública —, as considerações de Jaqueline Muniz, à BBC, e de Elio Gaspari, na sua coluna, na Folha de S. Paulo, nesta data, e transcrita abaixo.
No último editorial do Pontopm, alertou-se a respeito, com uma série de indagações, agora, parcialmente, respondidas.
Mas, aos textos ora indicados, a maior atenção deve ser da liderança executiva dos policiais militares brasileiros, principalmente, no momento da decisão para ocupar cargo de poder decisório. Na maioria das vezes, uma carreira é construída com muito sacrifício, para ser encerrada — e até esquecida — quando as escolhas são equivocadas. É preciso pensar muito bem, pois o verdadeiro poder pertence aquele executivo que tem a chave do cofre. De resto, só o gerenciamento do conflito, com muita sabedoria e cuidado, para não cometer erros, especialmente injustiças.
Leia, por favor, o texto de Elio Gaspari, e reflita!
Somando-se todos os seus mandatos, Paulo Hartung governou o Espírito Santo por dez anos e trabalhou duro no seu saneamento financeiro. Encarnou o respeito à Lei da Responsabilidade Fiscal e aquilo que chama de “o caminho capixaba”. O motim da Polícia Militar do Estado mostra a necessidade da busca de algo impossível, uma lei da responsabilidade social. O prometido paraíso fiscal levou o Espírito Santo a viver dias de inferno social.
Enfrentando o motim da PM, o governo de Hartung seguiu um modelo comum aos governadores que esticam a corda e, quando despertam, pedem socorro às Forças Armadas. Em 2012, num motim muito parecido com o capixaba, o governador Jacques Wagner chamou o Exército. Seis governadores já chamaram a tropa e 22 Unidades da Federação já expulsaram policiais militares e bombeiros.
Parecem grandes defensores da lei e da ordem, mas é tudo teatro. Entre 2011 e agosto passado, o Congresso votou duas anistias para policiais e bombeiros que se meteram em pelo menos 33 greves e motins. Nas duas, o PMDB de Temer e Hartung apoiou as iniciativas (curiosidade: um militar que sofreu uma sanção disciplinar enquanto sua tropa estava mobilizada para conter um motim continua com a ficha suja. O PM foi anistiado).
Noutro motim, o dos bombeiros do Rio, o governador Sérgio Cabral foi o paladino da lei e da ordem. Hoje ele está em Bangu. Pezão, seu vice e herdeiro, também chamou o Exército, depois de detonar a responsabilidade fiscal, a social e, quem sabe, a penal.
Hartung sustenta que não atende as reivindicações da PM pois não tem dinheiro. Algum dia se saberá quanto custou a mobilização da tropa federal de 3.000 homens. A desordem que acompanhou o motim custou dezenas vidas e cerca de R$ 500 milhões à economia. Esse aspecto fiscalista das desordens não é o único.
Nesses motins e na forma como os governos estaduais reagem, há uma irresponsabilidade social, impossível de ser legislada, mas possível de ser percebida. Os governadores não se previnem e, quando o caldo entorna, chamam o Exército. Quando tudo volta ao normal, deixam a anistia passar no escurinho do Congresso.
A doce figura de Milton Campos (1900-1972) governava Minas Gerais quando estourou uma greve provocada por salários atrasados e um de seus secretários anunciou que mandaria um trem com soldados para a área.
“Não seria melhor mandar o trem pagador?”, perguntou o governador. Seria um exemplo de tibieza, mas esse adjetivo jamais poderá ser associado ao general Ernesto Geisel. Em 1975, ele enfrentava uma greve de fome de presos políticos por melhores situações carcerárias e dois dos seus generais cuspiam fogo. (Entre os presos estavam dois condenados à prisão perpétua, três sequestradores e um dos terroristas que mataram um marinheiro inglês cujo navio visitava o Rio de Janeiro.) Geisel estudou a situação e informou: “Ceder a uma greve é duro, mas eu prefiro ceder”.
Se fosse possível redigir uma lei da responsabilidade social, os governantes seriam punidos quando criassem situações caóticas. Em nome da responsabilidade fiscal, Hartung acha que faz o certo, assim como Michel Temer acredita que deve reformar a Previdência e a legislação trabalhista de acordo com as tabelas de seus sábios. Planilha de excel qualquer um faz. Administrar uma sociedade é bem outra coisa.