Escrever sobre a profissão que se escolhe parece ser tarefa bastante fácil, principalmente quando essa mesma profissão é algo não inerente ao Estado. É algo que possibilita a quem a escolhe, a alternativa de, a partir dela, construir um nome, uma identidade, uma história de vida e sobretudo aquilo que no conceito de economia é entendido como a busca da maximização dos seus próprios objetivos: poder; dinheiro; e ascensão social. No entanto, escrever sobre uma profissão que atende única e exclusivamente aos interesses do Estado, deixa de ser apenas exercício de reflexão e sucesso e passa a ser relato de uma experiência onde o observador é um ator participante do processo em transformação.
As profissões que interessam exclusivamente ao Estado estão descritas a partir dos Primeiros Tratados de Relações Internacionais, com origem nas Cidades-Estados — Die Völken Deutsche — dos Povos Alemães, que estabeleciam as funções estatais de:
- Legislar;
- Judicar;
- Relações Internacionais;
- Tributar, aí incluídas as funções de emitir moeda e arrecadar; e
- Defesa Externa e Defesa Interna, aí incluídas as forças de Segurança, dentre elas a Polícia.
As influências das Cidades-Estados Alemãs na construção das obras de Sociologia das Relações Internacionais podem ser observadas nos trabalhos do Politicólogo e Sociólogo Francês Marcel Merle (1923-2003), bem como dos Princípios Históricos dos Povos Alemães — Osnabrück e Münster (1643 e 1648).
Em consequência disso, neste espaço, escreve-se acerca de uma função do Estado, cuja essência da palavra engloba não só a função, como também, aquele que a desempenha. Escreve-se sobre “polícia“, originada do vocábulo latino “politia“, resultante da latinização da palavra grega “πολιτεία” [politeia], sendo esta derivada de “πόλις” [polis], que significa “cidade”.
Associar o termo polícia, aos vários significados, demonstra claramente tratar-se de algo que não pode ser exercido por terceiros. Isso porque a ação está intimamente ligada à administração da coisa pública. E, uma causa Republicana é exercida apenas pelo Estado, em sua definição ampla concernente à capacidade de respostas ao cidadão, na defesa do Estado e da Sociedade. Tanto “politia” como “πολιτεία” significavam “governo de uma cidade”, “cidadania”, “administração pública” ou “política civil”; essências da participação do cidadão na Gestão do Estado.
A polícia é, frequentemente, associada a uma atividade civil, desempenhada por agentes e corporações civis. No entanto, isso nem sempre acontece, pois existem conceitos duais de polícias, exemplos claros são Polícias Militares e as Gendarmarias – segundo o conceito internacional.
Ambos os tipos são corporações militares, sendo o primeiro tipo – segundo o conceito internacional – responsável por uma atividade militar de polícia, ou seja, manifesta-se como o policiamento interno das forças armadas, comumente no Brasil tem o nome de Polícia do Exército, Polícia da Aeronáutica e/ou Polícia da Marinha.
O segundo tipo por ser uma atividade civil de polícia, ou seja, o policiamento da população civil, está espalhado por vários países do mundo, com vários nomes, sendo: no Brasil, as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; em Portugal, a Guarda Nacional Republicana; na Espanha, La Guardia Civil; na França, La Gendarmerie Nationale; na Itália, Arma dei Carabinieri; na Alemanha Landgendarmerie ou Landpolizei, dentre vários outros países.
Apesar de ser, normalmente, associada exclusivamente à atividade de aplicação da lei, a atividade policial é bastante mais abrangente. Para além da preservação da lei e da ordem, a polícia pode incluir outras atividades como o socorro em situações de acidente ou catástrofe, o planejamento urbano, a educação de menores e até a assistência social.
Ser Polícia é muito mais do que usar uma simples farda e um distintivo. É saber que, mesmo com o sacrifício da própria vida, terá que defender e proteger pessoas e bens que estejam em risco. É fazer cumprir as leis custe o que custar, é repor e manter a ordem sempre que necessário, é muitas vezes arriscar a própria segurança e vida em prol da segurança e da vida dos cidadãos. É honrar a instituição policial que representa, é ter orgulho na farda que veste e dignificar o distintivo que carrega ao peito.
O mais emblemático dos princípios da atividade de polícia, surge a partir de uma manifestação do Ministro do Interior da Inglaterra, Sir Robert Peel (1788-1850), que em 1829, lança as bases da Polícia Metropolitana de Londres, tendo esse princípio a caracterização da essência do profissional de Polícia: “A Polícia, em todos os tempos, deve manter um relacionamento com o público que lhe dá força à tradição histórica de que a polícia é o público e o público é a polícia, a polícia é formada por membros da população que são pagos para dar atenção em tempo integral aos deveres que incumbem a cada cidadão, no interesse do bem-estar da comunidade e a sua existência.”
Um escritor francês, Honoré de Balzac (1799-1850), dentre as suas célebres manifestações, cunhou uma frase que expressa a essência da polícia como uma função permanente do Estado, que independe dos governantes, que atende ao povo, que corrobora o mais emblemático princípio da atividade de polícia descrito por Peel. Para aquele autor: “Os governos passam, as sociedades morrem, mas a Polícia é eterna.” Isso ratifica o pensamento de que a Função de Polícia é tão essencial ao homem quanto o seu direito natural, os direitos pétreos da Constituição Federal e os direitos inalienáveis dos seres humanos. A Polícia é a Instituição Pública mais acessível ao cidadão.
Ícone da literatura de Polícia e decano da Universidade da Califórnia em Berkeley, Orlando Winfield Wilson (1900-1972), conhecido como O. W. Wilson, foi a figura mais influente na história da aplicação da lei americana. Considerado o pai do Código de Ética da Aplicação da Lei, foi chefe de Polícia, professor de Criminologia, consultor, autor e pioneiro na elaboração de cursos de treinamento patrocinados pelo estado e padrões mínimos para o pessoal da polícia. Iniciou testes psicológicos para policiais; fundou a primeira escola profissional de criminologia do país e foi o autor do Manual de Administração Policial mais divulgado na história.
O. W. Wilson foi escrupulosamente honesto, zeloso e dedicado à criação da profissão policial nos Estados Unidos da América. Suas batalhas contra a corrupção e desdém às considerações de alguns políticos, são lendárias. Ao longo de sua carreira, direcionou sua energia considerável para elevar o status da aplicação da lei.Tornou-se, então, um dos principais administradores de polícia que já existiu, em todos os tempos. Seu impacto no movimento para profissionalizar a polícia é incalculável, e até mesmo suas primeiras contribuições para o campo resistiram ao teste do tempo.
Particularmente, em Minas Gerais, vamos encontrar o Coronel Antônio Norberto dos Santos (1919-2017), um autor que cristalizou a essência do pensamento de polícia ostensiva. Sua obra pioneira foi fruto de suas experiências na reforma da doutrina de emprego da Polícia Militar em Belo Horizonte na década de 1950. À época, revolucionou o pensamento e comportamentos culturais reinantes nas casernas, protagonizando o emprego dos militares de polícia nas ruas, ao lado da população, combatendo o crime e o criminoso. Em síntese, mesmo que potencialmente possa não ter conhecimento, aplicava os princípios de Sir Robert Peel.
Assim, o novo policiamento ostensivo, executado em duplas e lançado nas ruas de Belo Horizonte, foi muito bem recebido pelas autoridades, pelo povo e pela imprensa em geral. Da experiência de Belo Horizonte, com as duplas Cosme e Damião, numa alusão aos Santos da Igreja Católica, surgiram as Patrulhas Volantes, precursoras dos patrulhamentos motorizados (terrestres, aquáticos e aéreos), ampliando a mobilidade à ocupação de maiores áreas. Antecipando os novos tempos, foi com grande brilhantismo que o nobre policial-militar serviu tanto na Capital quanto no interior do Estado, convivendo com as duas maneiras de emprego da força. No interior, mobilizaram-se os destacamentos, com as atividades de guardas de cadeia, de volantes de captura e do policiamento das ruas. Na Capital, mais aquartelada e militarizada, guardava fortes lembranças do exército estadual.
Entre as suas célebres manifestações, abstrai-se uma: “Todas as qualidades do bom policial se resumem em duas: competência e dignidade.”
Até aqui, utiliza-se o texto para a qualificação profissional a partir da literatura nacional e internacional, mas quando se opta por falar da sua escolha de vida, dentro do seu País, a expressão “Polícia, uma alternativa de Vida”, requer qualificantes que façam entender o porquê da alternativa.
Seguindo o modelo herdado do Exército Português, inicialmente, a primeira patente de oficial do Exército Brasileiro era a de Alferes. Na reforma das Forças Armadas de 1930, sob comando de Getúlio Vargas, a patente foi substituída pela de Segundo-Tenente. Esta referência serve para falar de uma pessoa que se tornou o Protomártir da Independência do Brasil e que foi também elevado a Patrono das Polícias no Brasil. Trata-se de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, figura incontida da Inconfidência Mineira (1789), e Alferes no Regimento de Dragões de Minas, atual Regimento Regular de Cavalaria de Minas, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
Polícia, uma alternativa de Vida, não é uma descrição da opção de vida, mas sim uma descrição da frase última daquele que foi elevado à categoria de Protomártir da Liberdade, daquele que lutou contra os grilhões que nos forjavam, daquele que acorda o Brasil deixado, daquele a quem a forca encontra por buscar a igualdade, a liberdade e a fraternidade e que disse: “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria.” (1792) e todos que escolhem Polícia, uma alternativa de Vida, escolhem doar a sua vida pela Sociedade a quem se jura defender, mesmo com o sacrifício dela.
Polícia, uma alternativa de Vida é a essência de tudo quanto possa ser pensado sobre a função Polícia, não apenas como o conhecimento em constante aprendizagem a partir dos teóricos contemporâneos, mas também pelo acúmulo de condicionantes para o exercício da função e as derivações decorrentes de uma sociedade que passa por transformações dinâmicas, que se renova, que constrói novos valores, novos direitos e novos deveres. Ser Polícia, é em síntese uma alternativa de Vida.
Respostas de 2
Mais um excelente texto, Carlos Alberto.
Sob o aspecto da sociedade não há alternativa de viver sem polícia.
Escolher a profissão de policial é externar nobreza de caráter e de proteção de seu semelhante, inclusive.
Antônio Roberto Sá, meu caro, muito obrigado pelo comentário, são eles, os comentários, que nos obrigam buscar a qualidade e a veracidade da informação.