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DIA 21 DE ABRIL É O DIA DE TIRADENTES?

O dia 21 de abril é o dia de Tiradentes. Esta foi a resposta de um respeitado site de tecnologia, dada ao questionamento de um leitor, querendo saber: se 21 de Abril era ponto facultativo ou feriado. Se você verificar a Lei 10.607, de 19.12.2002, verá que ela alterou o art. 1º da Lei 662/1949, acrescentando-lhe o dia “21 de abril”. Nessas, dentre outras normas, não há, de fato, informação sobre o que aconteceu naquele dia 21 de abril de 1792.

O 21 de abril de 1792 foi o dia de execução do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, oficial da sexta companhia da Cavalaria de Minas: célula-tronco da Polícia Militar de Minas Gerais. Aquele fatídico dia encontra-se descrito  no tópico nono do  Capítulo II, da Terceira Parte do Livro: TIRADENTES –  A ÁSPERA ESTRADA PARA A LIBERDADE. Trata-se de robusta pesquisa histórica realizada, na Década de 70, pelo Promotor de Justiça e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de São Paulo. Nas 456 páginas do compêndio histórico, o Dr. Luiz Wanderlei Torres, expõe, com muita clareza, o resultado de sua busca em documentos (…) sobre a Vida de Tiradentes.

Transcreve-se, a seguir, sobre o dia 21 de abril de 1792, as considerações do citado autor, no tópico citado, e as derradeiras palavras da parte conclusiva: 

“9.  21 de abril de 1792

Todos os réus tinham sido julgados. Ia ter começo a última fase do processo: a execução para os que tinham sido condenados.

E esta se iniciaria pelo Alferes Tiradentes.

Desde ante-manhã que se ouvia pelas ruas o tropel dos cavalos do regimento de Moura, comandado pelo Coronel José Vitorino Coimbra, que se vieram postar em frente ao Palácio do Vice-Rei, próximo à cadeia. O Coronel José da Silva dos Santos manobrou o bravo Regimento de Artilharia e foi estacionar no Largo de São Francisco de Paula, enquanto o Brigadeiro Pedro Alves de Andrade cuidava de dispôr da melhor forma os três Regimento[s] sob o seu comando: o de Estremos, o 1º e o 2º, do Rio.

Vozes enérgicas, seguidas do ressoar dos tambores, ecoavam fortemente os largos e nas ruas, enquanto o galopar dos cavalos ajaezados de fitas nas crinas, dava à cena das manobras o ritmo de parada espetacular.

Do regimento de Moura foram destacados entre “corpos” comandados por oficiais, incumbidos de manter a ordem, pois o povo acorria sem cessar para ver a passagem do réu.

Em frente ao presídio se estirava a rua da cadeia que ia dar no Largo da Carioca, Rua do Piolho e finalmente Campo de São Domingos.

As duas ruas ficaram “bordadas” de um lado e doutro, de soldados, para que o povo não interrompesse a procissão fúnebre (como era considerada a última marcha dos condenados à fôrca).

Em frente à cadeia permanecia postado o esquadrão de guardas do Vice-Rei. D. Luís de Castro Benedito, filho do Conde de Resende, e seu ajudante de ordens, inspecionavam a tropa, acompanhados do Brigadeiro, de dois soldados da cavalaria e de mais 2 sargentos-mores. Tanto o cavalo do Comandante como o de D. Luís atraíam os olhares pela profusão de prata nos arreios e o colorido das mantas.

Bem cedo entravam no cárcere nove frades da Irmandade da Misericórdia. Iriam compor o cortejo. Meirinhos, juízes de fora, pessoas gradas, formavam um respeitoso ajuntamento nas vizinhanças.

‘Os meirinhos guardavam o réu executor… Ia o juiz de fora montado em brioso cavalo; era de prata a ferragem dos arreios e as clinas iam trançadas e rematadas com laço de fita côr-de- rosa. Apostava o ouvidor da comarca no asseio, riqueza e melindre de sua cavalgadura com o juiz de fora. Sôbre todos aparecia o desembargador ouvidor-geral do crime; os arreios de seu vistoso cavalo eram de prata dourada, de veludo escarlate e franjas de ouro gualdrapas e os estribos nos arreios.’

O povo presenciava a movimentação das tropas, como se se estivessem movimentando o cenário de um palco imenso para uma tragédia que em breve iria ter começo.

Brados quase histéricos e rápidos movimentaram um esquadrão que veio formar um largo e espaçoso triângulo em tôrno da fôrca, no campo de São Domingos.

“as janelas das casas estão vindo abaixo de tanto mulherio”, diz o confessor, escrevendo à vista da ocorrência.

‘… E foi tal a compaixão do povo da infelicidade temporal do réu, que para lhe apressarem a eterna, ofereceram voluntàriamente esmolas para dizer em missas por sua alma; e só nessa passagem tirou o irmão da bôlsa cinco dobras.’

Às 7 horas estava montado o cenário para a execução daquele drama sinistro. Era um sábado.

Entrou no recinto do Oratório o negro Capitania (filho da Capitania do Espírito Santo), algoz escolhido para realizar o enforcamento. Era um célebre criminoso, temido pelos seus crimes. Vinha acompanhado por dois meirinhos, e se aproximou de Tiradentes. Trazia enrolados no braço uma enorme corda e uma espécie de camisolação branco, de algodão, conhecido pelo nome de alva dos condenados.

Parou diante do Alferes por um instante, como se hesitasse, para a seguir lhe pedir perdão da morte. Era a Justiça e não sua vontade, quem lhe movia os braços.

Tiradentes viu na humildade daquele negro, que exercia o terrível ofício com uma pena para os seus crimes anteriores, mas o que é um gesto costumeiro, uma sincera e emocionante súplica, e voltou-se “placidamente” para dizer:

‘Ó meu amigo! deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés. E assim o fez talvez se lembrando que a Igreja lava também os pés dos humildes.’

Quando foi ordenado que se despisse para vestir a alva, tirou voluntariamente a camisa. Voltou-se para os que o cercavam e disse: “Meu Salvador morreu também assim nu, por meus pecados!”

Os que estavam ali, se entreolharam. Em vez da lamúria costumeira, uma resolução, um desembaraço, uma altivez cheia de dignidade. Como se tornaram pequeninos os que o acusaram! Nenhuma palavra de socorro ou de misericórdia saía dos seus lábios, dirigida à Soberana que ia matá-lo. Nem um gesto de arrependimento. Não era contra ninguém, e era a favor de seu povo, da sua pátria!

Eram oito para nove horas quando Tiradentes transpôs a porta e enfrentou a rua, A alva lhe tocava nos calcanhares. O baraço (corda) passado pelo pescoço se estirava até às mãos do negro, que marchava a certa distância, acompanhando-o lentamente.

Abriu o desfile a primeira companhia do esquadrão dos Vices-Reis, depois vinham o clero, a irmandade e outros religiosos. Um rumor de salmos e de rezas apropriadas, se ergueu, de mistura com duras vozes de comando. Um meirinho, com um mandato nas mãos de vez em quando lia em altos brados:

‘justiça que a Rainha Nossa Senhora manda fazer a este infame réu Joaquim José da Silva Xavier pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe e cabeça na Capitania de Minas Gerais, com a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberania, e Suprema autoridade da nossa senhora que Deus guarde.’

Era o pregão, pelas ruas mais públicas da cidade, conforme ordenada a sentença.

Um sol intenso fazia nítida a cena da marcha.

Nas janelas, nos beirais, nas portas, pelas árvores, muita gente acompanhava os menores gestos do condenado. Tiradentes com os punhos amarrados, trazia nas mãos uma imagem de Cristo crucificado, erguida altura dos olhos. Rezava. A seu lado marchava o frade Penaforte ‘que repetia com ele o símbolo de S. Anastásio’.

A certa distância, desembarcadores, juízes, o ouvidor-geral, todos a cavalo, ostentosamente seguiam um passo lento.

No fim de tudo, fechando o cortejo, uma carreta, puxada por condenados às galés. Seus ferros tiniam lùgubremente e êles suavam.

Fazia quase três anos que o Alferes não andava, e aquela marcha sob um sol ardente, durante 2 horas e meia, era um novo martírio.

Por duas vezes parou, para mirar demoradamente o céu.

Dir-se-ia nesse instante levar sozinho sobre os ombros a Terra de Santa Cruz.

Nas sacadas as mulheres vestiam os últimos modelos e tinham mantilhas na cabeça.

Até que o cortejo atingiu o princípio do campo.

Presenciavam-se correria pela Rua do Cano e outras vielas que desembocavam no Campo.

O condenado quase não pressentiu a vizinhança da fôrca, que se erguia por sobre a multidão. Penetrou por um dos ângulos do triângulo de soldados que tinham o rosto voltado para o povo e estava fortemente armado com 12 tiros de cartucheira.

Dentro do triângulo, uma larga praça vazia.

Subiu com desenvoltura, e do estrado contemplou de relance a multidão compacta em baixo. Talvez se lembrasse que sonhara com um triângulo, que deveria tremular na bandeira da sua pátria. Agora, um triângulo iria ser seu túmulo.

Enquanto o Capitania nervosamente amarrava a ponta da corda numa alta trave que avançava no espaço, Penaforte confortava o condenado, que beijava a imagem de Cristo. Tudo pronto pediu êle ao algoz “que acabasse logo com aquilo”.

Mas Frei José Jesus Maria do Destêrro, guardião do Convento de Santo Antônio, esbaforindo-se na sua roupeta pesada, deteve com um gesto o carrasco e se pôs a falar com tal arroubo e com tais pulmões que era ouvido em todo o largo.

‘Este religioso era de uma tal compleição, que facilmente rompia em entusiasmos não esperados; pensou que estava anexo ao seu lugar de guardião mostrar os pulos que no peito lhe dava o coração.’

O guardião falou longamente, curvado sobre o povo. “Que não presenciasse aquele fato como um espetáculo que atrai apenas a curiosidade. Ali ia morrer um réu que não merecera a clemência da Soberana em virtude da enormidade do seu delito. Não era a uma cena cruel nem assombrosa o que iria presenciar, mas um ato de justiça, que poderia ser mais doloroso…”

Estirou se largamente na sua admoestação ao povo que se sentia enfadado. Tiradentes, por duas vezes, enquanto falava aquêle padre, pediu ao negro que terminasse tudo.

Afinal convidou frei José os presentes para rezarem o credo.

Ouvia-se a voz do Alferes nítida, no côro geral, enquanto o frade lentamente descia a escada[.]

Súbito, um susto! e Tiradentes rodava, suspenso no ar. Aproveitando o balanço, rápido montou sobre os seus ombros, o negro, com gingados para baixo, com o fim de fazer instantânea a morte.

Os soldados estavam em posição de sentido e os tambores abafaram o murmúrio. Longe, um sino bateu meio-dia.

Frei Raimundo de Penaforte, depois de alguns instantes, subiu ao estrado e abriu a bíblia. Iria fazer um sermão fundamentado no verso 20, do capítulo 10 do Eclesiastes: In cogitatione tua regi ne detralhas. . . guia est aves caeli portabunt vocem tuam, et qui habet pennas dabit sententiam. (Nem por pensamento detraias do teu rei, porque as mesmas aves levarão a tua e manifestarão teus juízos).

Quando êle terminou, desfêz-se o triângulo e uma extensa coluna de soldados foi formada. O Brigadeiro Pedro Alves de Andrade mandou que fosse lida a sua proclamação. Três vivas à rainha cobriu o intenso murmúrio popular.

Aos poucos foram sendo recolhidas as tropas aos quartéis; os frades procuraram seus conventos e os desembargadores e juízes foram a Palácio felicitar o Vice-Rei pelo sábio desfêcho que soube dar, juntamente com o chanceler, aquele complicadíssimo e cabuloso processo.

Mas o povo, silencioso e triste, fez um longo aglomerado em torno do cadáver que oscilava no ar, pendente de um braço da fôrca.”

[…]

Conclusão

[…]

Quanto ao Alferes, foi Joaquim Saldanha Marinho, Presidente da Província de Minas quem, em pleno reinado de D. Pedro II, bisneto de D.Maria I – prestou-lhe a primeira homenagem, mandando erguer na Praça principal de Ouro Prêto um monumento onde se lia em placa de metal: SEUS NOMES INFLAMADOS PELO DESPOTISMO, É HABILITA-OS A LIBERDADE; SAGRA-OS ETERNOS O RESPEITO DOS HOMENS LIVRES DE TÔDAS NAÇÕES[.]

E o primeiro 21 de abril da República foi celebrado em Ouro Preto com inúmeras solenidades à memória de Tiradentes.

No ano de 1894 foi desmanchado o monumento primitivo para no local erguer-se o atual, com granito (200 metros) retirado do Morro da Viúva, do Rio.

O govêrno qprovisório da República, pelo decreto número 155-B, datado de 14 de janeiro de 1890, considerou de festa nacional o dia 21 de abril.

Nenhum país ostenta, nos alicerces da sua liberdade, troféu mais digno e mais trágico do que ostenta o Brasil: o corpo, a honra e o sangue de um filho que morreu para que sua pátria fosse livre.

No terreno das coisas materiais, enquanto não entender o homem, que nada possui, e que apenas por um instante ‘detém’ o uso e gôzo dessas mesmas coisas, que tem de transmitir aperfeiçoadas às gerações futuras, será sempre um angustiado. Só de Deus e da Pátria — que é uma fagulha do seu poder — para o homem a tranqüilidade e segurança.

‘E a pátria no dizer de Rui, é um céu viu o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados; a comunhão da lei, da língua e da Liberdade’.

Fontes: TORRES, Luís Wanderley. TIRADENTES A Áspera Estrada para a Liberdade. L.Oren Editoa e Distribuidora de Livros Ltda. São Paulo: 2 ed. 1977. 456p.
Imagens: páginas 384 e 400.
Lei 10.607.

 

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