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Há um melhor modelo de aplicação da lei?

Há muitas explicações sobre a aplicação da lei. Uma delas, encontra-se no Oxford Advanced Learner’s Dictionary [Dicionário de aprendizado avançado de Oxford] (OALD). São informações e esclarecimentos de práticas subsequentes, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América (EUA). Nesta postagem, apresentam-se sínteses da realidade policial daqueles países, evidenciando suas capacidades e potencialidades. Após algumas análises e considerações comparativas, procurará responder possível indagação sobre um modelo ideal de aplicação da lei, na realidade policial brasileira.

1 Aplicação da lei na Grã-Bretanha

Para a Grã-Bretanha, são considerados importantes, na aplicação da lei, as seguintes situações:

a. Organização

Na Grã-Bretanha, as forças policiais regionais têm atualização localizada na manutenção da lei e da ordem. No caso específico de Londres, há duas forças policiais: a Polícia Metropolitana e a Polícia da cidade de Londres. A Met  — como é referida, pelos ingleses — foi criada, em 1829, por Sir Robert Peel. Ocupa as instalações da New Scotland Yard, em Westminster, desde 1967. Atualmente, tem responsabilidade de proteção aos cidadãos e comunidades que se encontram na Grande Londres. Na cidade de Londres, há um departamento de polícia, com responsabilidade exclusiva naquela metrópole.

b. Aspectos funcionais

Na proteção aos londrinos e demais ingleses, as forças policiais regionais são lideradas por um chefe de polícia. Assim, na Inglaterra e no País de Gales, desde 2012, os Comissários da Polícia e do Crime têm sido eleitos diretamente, para a direção de suas respectivas forças. A instituição policial britânica não é grande. Tem um policial para cada 400 habitantes. Além do(a)s policiais, com seus uniformes azul-escuro — usando seus capacetes altos e duros e usados pelos bobbies [1] —, muitos homens e mulheres são treinados como policiais especiais e estão disponíveis para atuar, no caso de emergências.

Com efeito, há, para cada uma das forças policiais inglesas locais, um Departamento de Investigação Criminal (CID). Para servir nesse departamento, a escolha recai sobre o(a)s bobbies. Depois são denominados detetives e, nesse mister, serão inspetores. Há, outras unidades especiais aéreas, terrestres, destinadas à proteção da infância e juventude, dentre outras, inclusive, a Special Branch, destinada à prevenção das ações/operações terroristas. Porém, após 2004, houve a criação de uma nova organização nacional, a Serious Organized Crime Agency, para substituir o National Crime Squad e o National Criminal Intelligence Service.

c. Relações polícia comunidade

O relacionamento da polícia, com os cidadãos e comunidades da Grã-Bretanha, mudou muito, desde os tempos iniciados com a imagem tradicional do simpático bobby. Outrora, era comum ver um policial andando pela área local, a pé ou de bicicleta; armado apenas com um apito e um cassetete. Atualmente, veem o policial moderno, homem ou mulher, patrulhando, utilizando veículos de quatro ou duas rodas. Alguns ainda carregam apenas cassetetes como “armas”, apesar de serem treinados para utilizá-las, em circunstâncias especiais.

Nesse sentido, primando cada vez mais pelo relacionamento entre policiais e cidadãos, procuram-se evitar, ao máximo, ações desviantes de condutas. Então, nas unidades das forças policiais, não se toleram, dentre outras, o preconceito racial e o uso excessivo da força, pois prejudicam a imagem pública da polícia. Os que assim procederam, ou procedem, responderam, ou respondem com a exclusão.

Em consequência disso, além de evitar profissionais indesejáveis, a liderança das unidades vislumbram melhoria contínua de relacionamentos com as comunidades locais. Por isso, o(a)s policiais praticam as atividades de aproximação com os cidadãos e comunidades. Deslocam-se, sempre que possível a pé; ao invés de usar os veículos de apoio ao patrulhamento.

2 Aplicação da lei nos EUA

Na realidade dos EUA, a aplicação da lei é realizada por diferentes organizações, seja no nível nacional, estadual ou municipal. Assim, cada ente federativo pode constituir sua força policial, nos vários níveis de governo. São 17 000 agências, empregando mais de 800 000 agentes em tempo integral, segundo os níveis políticos e dos profissionais, na aplicação da lei, descritos a seguir:

a) Níveis político da aplicação da lei

A nível nacional, o destaque é para o Federal Bureau of Investigation (FBI). Nessa instituição policial, há cerca de 11 000 agentes especiais que investigam crimes, nos EUA. Muitas ações do FBI são bem-sucedidas, em consequência da integração com os policiais das forças estaduais e municipais. As arestas existentes entre as competências legais, quando mal interpretadas, ocasionam dificuldades, com resultados pouco satisfatórios.

No nível estadual, os departamentos de polícia estaduais são responsáveis principalmente ​​pelas patrulhas nas rodovias. Essas forças policiais são denominadas tropas estaduais. Há divisões administrativas estaduais, a exemplo da Grã-Bretanha, denominados de condados.

Nos EUA, há, aproximadamente, 3000 condados. Os alcances de suas funcionalidades são parecidas com o das comarcas brasileiras. Cada condado tem um xerife eleito pelos cidadãos. As funcionalidades do xerife são apoiadas por pessoas contratadas. Há, ainda, no escritório do xerife, os deputados. Esses são responsáveis ​​pelas investigações criminais.

Os municípios estadunidenses têm, igualmente, seus próprios departamentos de polícia. Tanto os muito grandes — como é o caso do de Nova York — quanto os pequenos, assim classificados segundo a população residente. Em quantidade de policiais, são semelhantes aos destacamentos policiais brasileiros. Outra realidade, naquele país, é que a maioria das faculdades e universidades tem suas próprias forças policiais. São pequenas e atuam nos espaços circunscritos ao das Instituições de Ensino Superior.

b) Os profissionais na aplicação da lei

Os policiais que usam uniforme, nos EUA, nos níveis citados, são os que mais se aproximam dos cidadãos e das comunidades. A prática da polícia de proximidade, naquele país, é uma realidade bastante percebida. Com isso, as forças policiais dos diversos departamentos policiais contabilizam bons dividendos, considerando que os policiais uniformizados são os primeiros a chegar no local de crime. Porém, as apurações dos crimes são realizadas pelos detetives e inspetores alocados aos departamentos policiais. Usam roupas normais, iguais aos demais cidadãos americanos, a exemplo do que acontece na Grã-Bretanha.

Estima-se que os policiais dos EUA sejam os mais bem armados do mundo. Mesmo assim, são estimados pela maioria das pessoas que os veem como pessoas honestas, prestativas e agentes de um trabalho duro e perigoso. A imagem dessa realidade foi mostrada em programas de televisão populares, como Columbo e Hill Street Blues. Em contrapartida, nos últimos anos, há evidências de atitudes preconceituosas, por parte dos policiais dos EUA, ocorridas em várias ações e localidades.

3 Aplicação da Lei no Brasil

A organização, estrutura e relacionamentos da aplicação da lei, mostrados nas forças policiais da Grã-Bretanha são replicados para o EUA, que foi colonizado por aquela. Os ensinamentos e cultura policiais dos ingleses tornaram-se modelo, copiado pela maioria, se não todas, as forças policiais do mundo. No Brasil, temos uma realidade diferenciada, conforme se vê nos antecedentes e constituição do modelo e nas ações práticas da aplicação da lei.

a) Antecedentes e constituição do modelo na aplicação da lei

Mas, no Brasil, os ensinamentos e cultura policial inglesa não foram prevalecentes, por razões óbvias. Concorreram, nesse mister, os portugueses, franceses, holandeses. Prevaleceu o modelo português, afrancesado, principalmente, nas instituições policiais da Região Sudeste. Espalhou-se, então, aqui, ali e acolá, abrasileirado, para as demais regiões do país.

Em consequência disso, nasceu o modelo policial brasileiro, no Brasil, a partir das administrações portuguesas colonizadoras. Plantado na Capitania das Minas Gerais, após divisão da Capitania do Rio de Janeiro, naquela e na de São Paulo. A semente vicejou, constituindo a primeira organização policial do mundo: a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), criada em 9 de junho do ano de 1775.

Decorridos 244 anos, desde a criação da PMMG, há um modelo brasileiro de aplicação da lei. Genuíno, pode-se afirmar, e único, no mundo, quando analisado por diversos ângulos. Assim, firmado está. Cristaliza-se, com o passar dos anos, a despeito de muitas influências, favoráveis ou desfavoráveis. De lá para cá, surgiram muitas novidades, e muitas delas, certamente, dos ensinamentos e da cultura policiais inglesas, diretamente, ou via EUA.

b) Ações práticas do modelo brasileiro, na aplicação da lei

Assim, o modelo prevalecente, nos dias atuais, mostra-se que a garantia da ordem pública — foco principal ao bem-estar do cidadão e das comunidades — é da segurança pública. Esta é constituída pelos órgãos listados no Art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Os órgãos são independentes e coordenados, em âmbito nacional, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Consequentemente, os compêndios publicados pelas instituições constituintes do sistema de segurança pública e da segurança privada (vide Lei 7.102/83 e modificações posteriores) evidenciam a necessidade da integração. Esta é diferente da unificação, considerada fora de propósito pelos estudiosos do comportamento organizacional. Nas suas pesquisas, muitos acadêmicos mostraram as possibilidades dos conflitos organizacionais. Indicavam a busca corajosa de soluções, com maturidade profissional. Evidenciaram a tendência das especializações, direcionando um rumo organizacional separatista e egoísta. Concluíram, então: integrar é questão de sobrevivência organizacional!

Nessa linha de raciocínio, o que dizer da integração dos órgãos e entidades de seguranças, durante a realização dos grandes eventos brasileiros. O que dizer sobre dos resultados auferidos nos eventos esportivos, religiosos, culturais e artísticos realizados na última década, no território brasileiro. Desafiado, o modelo de segurança brasileiro prevalecente, e de aplicação da lei, não decepcionou. Aliás, deixou exemplos a serem seguidos.

4 Algumas conclusões

Os ensinamentos e a cultura policiais praticados no Brasil, principalmente, nas Unidades Federativas, foram desenvolvidos em sã doutrina jurídica e administrativista. Cita-se, a guisa de exemplo, a que foi ensinada por Moreira Neto e vários outros catedráticos (inclusive líderes das forças policiais brasileiras) versados nos negócios da segurança pública.

Daqueles ensinamentos jurídicos, revisados e atualizados, desenvolveram-se estudos consequentes, nas academias das instituições policiais. Há, na maioria delas, se não em todas, notável arcabouço, jurídico, administrativo e operativo desejável ao moderno modelo de organização, estrutura e relacionamento. A prática desse modelo de aplicação da lei é realidade no cotidiano das forças policiais brasileiras.

Não há um melhor modelo para a aplicação da lei, seja o da Grã-Bretanha, dos EUA ou do Brasil. A maioria dos modelos praticados, originários naqueles países alcançam resultados ótimos, ou não. Mas, o modelo policial brasileiro de aplicação da lei, que é o subsistema ativo do sistema de segurança pública, é único. Não é melhor nem pior do que aqueles praticados nos demais países.

Afinal, qualquer modelo de aplicação da lei é bom. Mas, se o desejável é o ótimo, devem-se analisar e encontrar respostas às principais interferências. Se são políticas, econômicas, sociais, tecnológicas, ambientais e legais; e se interferem significativamente nos resultados, internos e externos, das forças de segurança. Precisam, então, ser analisadas, com o cuidado, conhecimento e muita expertise. Do contrário, será mais fácil elogiar, ou criticar, o modelo de aplicação da lei praticado no Brasil.


[1] Referência feita aos policiais ingleses, onde se homenageia Sir Robert Peel, o político que criou a força policial de Londres no século XIX. Bobby é uma forma familiar de “Robert”.

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Sobre o(a) Autor(a):

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Isaac de Souza

(1949 _ _ _ _) É Mineiro de Bom Despacho. Iniciou a carreira na PMMG, em 1968, após matricular-se, como recruta, no Curso de Formação de Policial, no Batalhão Escola. Serviu no Contingente do Quartel-General – CQG, antes de matricular-se, em 1970, e concluir o Curso de Formação de Oficiais – CFO, em 1973. Concluiu, também, na Academia Militar do Prado Mineiro – AMPM, os Cursos de Instrutor de Educação Física – CIEF, em 1975; Informática para Oficiais – CIO, em 1988; Aperfeiçoamento de Oficiais – CAO, em 1989, e Superior de Polícia – CSP, em 1992. Serviu no Batalhão de RadioPatrulha (atual 16º BPM), 1º Batalhão de Polícia Militar, Colégio Tiradentes, 14º Batalhão de Polícia Militar, Diretoria de Finanças e na Seção Estratégica de Planejamento do Ensino e Operações Policial-Militares – PM3. Como oficial superior da PMMG, integrou o Comando que reinstalou o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Sargentos, onde foi o Chefe da Divisão de Ensino de 92 a 93. Posteriormente secretariou e chefiou o Gabinete do Comandante-Geral - GCG, de 1993 a 1995, e a PM3, até 1996. No posto de Coronel, foi Subchefe do Estado-Maior da PMMG e dirigiu, cumulativamente, a Diretoria de Meio Ambiente – DMA. No ano de 1998, após completar 30 anos de serviços na carreira policial-militar, tornou-se um Coronel Veterano. Realizou, em 2003-2004, o MBA de Gestão Estratégica e Marketing, e de 2009-2011, cursou o Mestrado em Administração, na Faculdade de Ciências Empresariais da Universidade FUMEC. Premiado pela ABSEG com o Artigo. É Fundador do Grupo MindBR - Marketing, Inteligência e Negócios Digitais - Proprietário do Ponto PM.