João Bosco de Castro: Professor titular emérito de História da PMMG e de Historiografia de Polícia Militar na Academia de Polícia Militar do Prado Mineiro.
Li na página 5 do Jornal de Negócios ̶ Destaque, edição de 4 a 10 de junho de 2017, o texto A PMMG ajudou a fundar Bom Despacho, do Colunista consagrado Tadeu Antônio de Araújo Teixeira.
Rica de boas informações e arroubamentos enfatuados, a narrativa de Tadeu Araújo não condiz com a História Maiúscula da Polícia Militar de Minas Gerais nem com os registros da fundação de Bom Despacho.
A Polícia Militar de Minas Gerais não ajudou a fundar Bom Despacho, muito menos poderia tê-lo feito, simplesmente porque essa respeitável e gloriosa Corporação da Paz Social, àquela época (“Por volta de 1767, ou um pouco antes, ….”), ainda não existia. Se existisse, como primeira força policial-militar autêntica e legitimamente brasileira, não teria sido na situação de “…. tropa composta de soldados da Milícia (PMMG) de Pitangui, de combatentes civis e mercenários dos batalhões dos Capitães de Mato, ….”, mas no dignificante estalão de força regular de primeira linha, como sempre o foi.
“Por volta de 1767, ou um pouco antes, ….”, as tropas da Milícia de Pitangui eram forças irregulares e mercenárias decorrentes do Bando ou Regimento dos Capitães-Mores instituído pelo Rei português Dom Sebastião, em 1570, e, principalmente, do Terço de Ordenanças do Interior, estatuído pela Carta-Régia Portuguesa de 20 de janeiro de 1699. A autoridade policial do Capitão de Ordenanças foi regulamentada pela Carta-Régia Portuguesa de 1709.
A PMMG nunca foi tropa de capitão-mor nem de terço de ordenanças.
Essas tropas irregulares e mercenárias, dotadas de hierarquia militarizada mas destituídas da necessária chama da disciplina militar, não eram remuneradas pelo Erário Régio nem podiam enquadrar-se na definição dada ao conceito de Bandeira (ou Companhia): força militar desbravadora, composta de um capitão, um alferes, um meirinho, um escrivão, um furriel, dez cabos e dez esquadras de vinte e cinco soldados cada uma. Segundo o rito do ato normativo sebastianino de 1570, o capitão e o alferes da Bandeira tinham as honrarias e privilégios de Cavaleiro, mesmo se não o fossem. A Entrada era força paramilitar arbitrária e desorganizada, mercenária e desbravadora, às vezes chefiada pela sanha de um capitão do mato, mais dada à perseguição de quilombolas e à captura de selvagens indóceis.
Ao local onde se estabelece Bom Despacho não chegou tropa militar regular nem Bandeira, “…. por volta de 1767, ou um pouco antes, ….”, mas força irregular, horda perseguidora de quilombolas assentados nas cercanias dos Rios Pará, Lambari, Picão e Alto-São Francisco. Aquilo era Entrada, e não PMMG!
A Polícia Militar de Minas Gerais, até então inexistente, não se prestaria a empreendimentos de força militar irregular nem a tretas de capitão do mato. Nos assentamentos dessa Força Pública da Paz Social, em Bom Despacho, não há nada de fé de ofício militar de João Gonçalves Paredes, nem de Luís Ribeiro da Silva, nem de Francisco Ferreira Fontes, nem do Padre Agostinho Pereira de Melo como capelão militar regular das tropas vindas da Sede da Comarca de Pitangui. Naqueles tempos, ainda não existia, no mundo, nenhuma Polícia Militar nem o embrião da mais antiga de todas elas: exatamente a Polícia Militar de Minas Gerais, criada em Lisboa, Salvaterra dos Magos, Capital da Monarquia Portuguesa, em 24 de janeiro (e não em 9 de junho!…) de 1775, por ato público assinado pelo eminente Iluminista Martinho de Mello e Castro, Ministro de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos da Coroa Portuguesa, e instalada em Cachoeira do Campo da Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar, na Capitania Real das Minas do Ouro, em 1º de julho de 1775, por ato interno do Capitão-General Dom Antônio José de Noronha, Governador da dita Capitania, com o nome de Regimento Regular de Cavalaria da Capitania de Minas, a legendária “Tropa Paga”, força regular de primeira linha.
Esse Regimento Regular de Cavalaria de 1775 (de oito, “…. ou um pouco….” mais, anos depois da fundação de Bom Despacho) é a Pujante e Seivosa Raiz da Primeira Polícia Militar do Brasil, a Polícia Militar de Minas Gerais, também detentora da marca intransferível de ser a Mais Antiga Força Pública do Mundo. Exatamente isso! O Regimento Regular de Cavalaria da Capitania Real das Minas do Ouro, hoje denominado Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes ─ insofismável origem desse inatacável Exército da Paz Social Mineiro ─, foi criado e instalado vinte anos antes das duas instituições policial-militares registradas como se fossem as duas primeiras Forças Públicas do Mundo: a Gendarmerie Nationale (atual Polícia Militar Francesa) e a Koninklijke Maréchaussée (a Real Polícia Militar da Holanda), criadas ambas, com assentamento indiscutível, em 1795, sobre a rocha de poderosa consistência iluminista e humanitária do artigo XII da redemocratizante Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cuja letra normativa assim nos impõe: “A garantia dos direitos do Homem e do Cidadão carece de uma força pública; esta força é, pois, instituída para vantagem de todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.” O eixo-mor dessa declaração jurídica e filosófico-científica da Revolução Francesa de 14 de julho de 1789, particularmente em seu transcrito artigo XII, ratifica o espírito público da Politeia de Platão (traduzida como República, ou Coisa do Povo, arrimo soberano e claríssimo do conceito de Polícia), do século V – IV a.C., e estatui verdade sobranceira, infelizmente ainda não adotada pelo Poder Público Brasileiro: a força pública (ou a polícia militar, ou toda e qualquer organização policial) há de ser infensa às manipulações engendradas por governo ou pressão política, porque força pública é recurso de estado, sustentáculo do Homem e do Cidadão, proteção do Povo e da vontade cívica, social, humana, majoritária e maiúscula dEste, e não dos amanhadores de poder nas hordas de governo.
As “Instruções ao Senhor Governador…”, ou “Instruções do Senhor Martinho de Mello e Castro, para se regular a Tropa Paga de Minas, e Auxiliares, e sobre outros objetos”, assinadas, como já se expôs, em Lisboa, Salvaterra dos Magos, em 24 de janeiro de 1775, com base nos procedimentos militares ensinados pelo General-Conde De Lippe, vinte anos antes da fundação das Forças Públicas, ou Polícias Militares, da França (Gendarmerie Nationale) e da Holanda (Koninklijke Maréchaussée), de 1795, estabeleciam o mesmo núcleo ético de rigorosa Cartilha de Decência Pública e a mesma tônica de Regulamento Cívico-Militar a serem observados por Dom Antônio José de Noronha, em suas empreitadas lusitanas em Pindorama, segundo as urgências e necessidades sociopolíticas da Capitania Real, para regular a “Tropa Paga de Minas”, cujo desfecho melhor e mais proveitoso foi a instalação do Regimento Regular de Cavalaria de Minas. Como Professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Teoria da Literatura, Ciências Policiais, Ciências Militares da Polícia Ostensiva, Historiografia de Polícia Militar, Políticas Públicas e Preservação da Ordem Pública, e Ética e Deontologia (ou Ética e Doutrina Policial-Militar) a Discentes de Cursos e Programas Qualificadores de Cadetes e Oficiais, especialmente a Oficiais de Saúde e Oficiais Superiores no Treinamento Policial Básico, da Academia de Polícia Militar do Prado Mineiro, até 2012, e honrosamente, até hoje, como Pesquisador e Escritor dos Saberes e Sabedoria de Polícia Militar e respectivas Áreas de Concentração e Linhas de Pesquisa, atribuí às citadas Instruções de 24 de janeiro de 1775 o nome didático e estratégico-pedagógico de Carta Deontológica (ou Código Deontológico) do Regimento Regular de Cavalaria da Capitania Real das Minas do Ouro (ou, especificamente, Regimento Regular de Cavalaria da Capitania de Minas, atual Regimento de Cavalaria Alferes Tiradentes, ou, genericamente, Polícia Militar de Minas Gerais, a Força Pública Mineira). Quando me refiro a essa Carta Deontológica, mesmo em minha situação de Oficial Velho, sinto-me, com honroso orgulho, o eterno e vibrante Cadete cinzelado e burilado, de 1966 a 1969, pelo sempre-atual Departamento de Instrução do Prado Mineiro, como herdador dos compromissos, honrarias, deveres e posturas de composturas de respeito assumidos e praticados pelo Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade (primeiro Comandante de Fato da briosa Coluna), Sargento-Mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho (primeiro Subcomandante e Professor-Mor do Regimento) e Alferes Joaquim José da Silva Xavier (o Alferes Tiradentes, Policial Militar exemplar, Artífice Maior, Orientador e Protomártir da Revolução de Minas, aquele excelso Movimento Libertário de Minas Gerais em favor do Brasil, injusta e desonrosamente chamado de Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira). Os dois primeiros citados Oficiais (dos quais o segundo ─ Galvão de São Martinho ─, o mais velho do Corpo Militar Mineiro, era português, já transferido para o Quadro da Reserva do Efetivo Lusitano, e foi aproveitado no serviço ativo, aos quarenta e nove anos de idade, porque se distinguira na Instrução Militar com vasta experiência nas labutas de caserna) foram incluídos no Ínclito Regimento de Cavalaria, de acordo com critérios de Dom Noronha, em 1º de julho de 1775, dia verdadeiro da instalação dessa reorganizada Tropa (criada, oficialmente, em 24 de janeiro, e não em 9 de junho, do mesmo ano). O Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, efetivou-se na dita Coluna de Cavalaria, nesse mesmo primeiro posto do oficialato superior de então, na respectiva Sexta Companhia, em 1º de dezembro de 1775.
A Polícia Militar de Minas Gerais não ajudou a fundar Bom Despacho, “…. por volta de 1767, ou um pouco antes, ….”, mas coparticipa, civilizatória e policial-militarmente, com essa amável e alegre Cidade, em todos os seus momentos de alegria e frustração, a partir do século XX, indiscutivelmente a partir de 9 de julho de 1931, quando se instalou em seu comunitário seio o brioso e prestante Sétimo Batalhão de Caçadores Mineiros, atual Sétimo Batalhão de Polícia Militar, semeado, ao longo da década de 1920, pelos imbatíveis estadistas do Decoro Público, o barbacenense Presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e o bom-despatense (nascido em Bom Despacho e criado em Patos de Minas) Presidente-General Olegário Dias Maciel. Desde os suores humanizantes do Coronel Edmundo Lery Santos, primeiro Comandante do Majestático “Machado de Prata”, a Cidade-Sorriso convive muito bem com os zelos cotidianos e efetivos de Oficiais e Praças bem-preparados para a grandeza da Felicidade Comunitária, sob os auspícios da mais confiável polícia ostensiva e inegociável preservação da ordem pública.
Também dos Corifeus Antônio Carlos e Olegário Maciel, Comandantes Supremos daquela inquebrantável e ainda necessária Força Pública, Bom Despacho recebeu sua maravilhosa Vila Militar, inaugurada nos inícios da década de 1930. Não me refiro àquela vila militar dos idos de “…. 1767, ─ ou um pouco antes, ….”, engendrada pelas magias do notável Colunista Tadeu Antônio de Araújo Teixeira e destacada no olho-gráfico de fundo amarelo como um dos primeiros passos da “Certidão de Nascimento de Bom Despacho”, bem no miolo da dita página 5 do Jornal de Negócios ─ Destaque, edição de 4 a 10 de junho de 2017. Refiro-me, sim, à belíssima e aconchegante Vila Militar de Lery e Praxedes, Egydio Benício e Saul Martins, Emílio e Luiz Foureaux, Wílson Mansos e Nílson Nunes, Sabino e Divino Duarte, Epitácio Magalhães e Aristeu Baía, Levi de Almeida e Nicodemos de Souza, Antônio de Paulo e João Meio-Dia. Nessa Vila Militar ─ da qual fui prefeito, como almoxarife do “Machado de Prata”, em 1971 ─ , a Vila da Capela de Santa Efigênia dos Militares, o Coronel Saul Alves Martins, ainda como aspirante a oficial, em 1944, construiu a primeira Piscina de Bom Despacho, aberta a Militares, Civis e respectivos Familiares, também usufrutuários dos prodígios educacionais do Colégio Tiradentes e Escola Egydio Benício de Abreu, das atividades saudáveis e prazerosas de atletismo, futebol e basquetebol, e das requintadas retretas e sessões de cinema e teatro nos pavilhões e jardins do Batalhão.
História maiúscula não se faz com achismo nem com presunção!
De Belo Horizonte para Bom Despacho-MG, 12 de junho de 2017.
João Bosco de Castro (1947…) é Jornalista Profissional, Historiógrafo, Professor de Línguas e Literaturas Românicas. Presidente Ad-Vitam da Academia de Letras João Guimarães Rosa, da PMMG, e Presidente Emérito do respectivo Conselho Superior. Presidente da Academia Epistêmica de Mesa “Capitão-Professor João Batista Mariano”─MesaMariano e Editor-Associado à Revista O Alferes do CPPAPMMG. Integrante do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e primeiro ocupante da Cadeira nº 47 do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Livre-Docente por Notório Saber em Historiografia de Polícia Militar e História da Polícia Militar de Minas Gerais. Agraciado com a Medalha Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, da qual é o Paraninfo. Oficial Reformado da PMMG. Juiz Militar de primeira instância Reformado. Representará Bom Despacho na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, a partir de 16 de setembro de 2017, como titular da Cadeira patroneada pelo Poeta Bom-despachense José d’Avó Gontijo.