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“A esquerda tem medo, não tem política de segurança pública”.

Encontra-se, na primeira edição da Revista Brasileira de Segurança Pública, publicada em 2007, a entrevista denominada A esquerda tem medo, não tem política de segurança pública. A entrevistadora foi a Socióloga Julita Lemgruber e o entrevistado foi o Ministro da Suprema Corte da Argentina Eugenio Raúl Zaffaroni, conforme descrições em seguida. Na publicação daquela Revista, alguns textos foram destacados. Nesta postagem, tais textos, encontram-se em negritos, nas respectivas respostas do Entrevistado. Conheça mais detalhes, lendo a entrevista transcrita a seguir: “Eugenio Raúl Zaffaroni, entrevistado por Julita Lemgruber Eugenio Raul Zaffaroni é ministro da Suprema Corte da Argentina, professor titular do Departamento de Direito Penal e Criminologia da Universidade de Buenos Aires, doutor honoris causa pela UFRJ e diversas outras universidades e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal.  Entre suas obras publicadas no Brasil, estão “Em Busca das Penas Perdidas”, “Direito Penal Brasileiro”, em co-autoria com Nilo Batista, “Manual de Direito Penal Brasileiro” e “Da Tentativa”, ambos em co-autoria com José Henrique Pierangeli. Zaffaroni defende um ponto de vista sobre o sistema penal que define como “realismo marginal”. Discute a realidade dos países periféricos, com base na qual as penas criminais não podem ser juridicamente fundamentadas, uma vez que elas têm um sentido político. Partindo destes pressupostos, vinculados a uma criminologia crítica,Zaffaroni apresenta suas contribuições para a dogmática penal.Uma de suas principais contribuições nesse âmbito é o conceito de “culpabilidade por vulnerabilidade”, que leva em conta a seletividade do sistema penal para a aplicação da pena. Julita Lemgruber, socióloga, mestre pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), é diretora do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC-UCAM), integrante do conselho do International Center for Prison Studies (Londres), integrante do conselho diretor da Altus Aliança Global (Haia). Foi diretora do Departamento do Sistema Penitenciário e Ouvidora de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. É autora dos livros “Quem vigia os vigias?” (2003) e “Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres” (1998).   jlemgruber@candidomendes.edu.br (*Diversos membros do Fórum contribuíram com suas perguntas para esta entrevista) LEMGRUBER: Com a democratização dos países da América Latina, o problema da segurança pública passou a constituir-se num dos principais desafios dos novos governos da região. As altas taxas de criminalidade e o precário funcionamento das agências de segurança pública têm dado margem a um discurso populista de endurecimento penal. Na sua opinião, que impacto isso pode trazer para a construção da democracia na América Latina? ZAFFARONI: Acho que o novo “popularismo penal” (não é “populismo”,  que  é  outra  coisa,  especialmente  na  América Latina) é uma demagogia que explora o sentimento de vingança  das  pessoas,  mas,  politicamente  falando,  é  uma  nova forma  do  autoritarismo.  A violência aumenta porque  aumentou  a  miséria.  Os anos 1990 foram  os  anos  do  festival do  mercado:  os  pobres  ficaram  mais  pobres  e  alguns  ricos, nem todos, mais ricos. Os mesmos autores dessa política de polarização da sociedade são os que hoje pedem mais repressão sobre os setores vulneráveis da população. Querem mais mortos e, entre infratores e policiais, mais “guerra”. No final, eles são invulneráveis a essa violência. A “guerra” que pedem é a “guerra” entre pobres.  Na medida em que  os  pobres  se matem  entre  si,  não  terão  condições  de  tomar  consciência da sua circunstância social e, menos ainda, política. O perigo para os reacionários não é a morte nas favelas, nem a morte dos favelados, nem a morte  dos  policiais,  mas  o  risco  de os pobres se juntarem e tomarem consciência da armadilha penal.  Essa política dos chamados comunicadores  sociais  e políticos sem programas, que só querem mais poder policial, no  fundo  é  a  neutralização  da  incorporação  das  maiorias  à democracia.  É manter um mundo  não  civilizado  marginalizado do mundo civilizado. O mundo da favela e o mundo da Barra![1] Na medida em que os da favela se matam (aí estão incluídos os policiais), a Barra não tem perigo de invasão, só algum criminoso isolado,  mas  nada  de  reclamação  política, nada  da  consciência  dos  excluídos,  nada  que  possa  pôr  em perigo  as  estruturas  de  classe,  que  se  tornam  estruturas  de casta  na  medida  em  que  a  sociedade  impede  a  mobilidade vertical, máxima aspiração dos “popularistas penais”.  LEMGRUBER: No Brasil, assim como em alguns outros países, percebe-se claramente que o discurso da esquerda é cada vez mais semelhante àquele sustentado pelos conservadores, notadamente quando o assunto é crime e violência.  Em sua opinião, por que a esquerda tem sido, em geral, incapaz de afirmar um caminho próprio ao tratar da segurança pública? ZAFFARONI: A esquerda tem medo, sabe que a imputação da direita a ela é sempre a de ser desordeira e caótica. Por causa disso, para obter o voto da direita, procura providenciar uma imagem de ordem. No final, a esquerda é usada, porque a reclamação por vingança não tem limites e porque a segurança pública jamais pode ser absoluta. Assim é que o trabalhismo inglês fez leis mais repressivas do que os conservadores. Um dia ele (o trabalhismo) vai sair do governo desprestigiado e os conservadores vão dizer – sem dúvida com razão – que as leis repressivas não são deles. O socialismo italiano, anterior aos mani pulite, fez a mesma coisa. Num plano micro, é o mesmo erro que, no plano macro, foi praticado pela social-democracia alemã quando excluiu os candidatos judeus das chapas após à ascensão do nazismo. Os socialdemocratas sobreviventes que puderam fugir lamentaram e reconheceram tal erro, com certeza, no exílio. LEMGRUBER: Em 1985, quando predominavam os governos militares e ditatoriais na América Latina, o senhor coordenou um estudo sobre a situação dos Direitos Humanos na região. Na sua opinião, o que mudou em relação ao diagnóstico produzido há mais de 20 anos? ZAFFARONI: Mudou, sem dúvida. Hoje não temos ditaduras militares, pararam os crimes contra a humanidade praticados pelos governos ditatoriais. Não temos “desaparecidos” nesse sentido. Mas temos alguns “desaparecidos” policiais, temos o chamado “gatilho fácil” (pessoas mortas pela polícia sem processo, ou seja, pena de morte sem processo),  temos  prisões  que  são  campos 

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