Flexão e Modernidade.
Flexão e Modernidade.(*) Às consolidadoras do Descobrimento do Brasil, Dona Brites de Albuquerque* e Dona Ana Pimentel, as duas primeiras grandes capitãs portuguesas nos domínios de Santa Cruz! Se a mulher já saiu da beatice medieval e da redoma romanesca, para competir com o homem — e até superá-lo! — em atividades convencionais e intelectivas, ela não pode entregar-se ao desrespeitoso desprestígio contido em tão encardido simulacro de epiceno. * Esposa de Duarte Coelho Pereira e homônima da mãe de Martim Afonso de Sousa. Flexão é a forma de variabilidade de um vocábulo. Existem várias modalidades de flexão, mas este excerto aborda apenas a referente ao gênero fundamental dos designativos dos postos, graduações, círculos, cargos e encargos típicos do estrato militar ou com ele correlatos. Com a admissão da mulher aos quefazeres milicianos, fato compatível com indiscriminatória modernidade, todos os vocábulos indicativos da condição militar do homem — adequada e corretamente empregados no gênero masculino — têm de flexionar-se de acordo com a situação militar da mulher — adequada e corretamente transfigurados no gênero feminino ou, como respeitosa opção, no conhecido comum-de-dois-gêneros. O uso do adjetivo feminino (abreviado para fem.), acopladamente com o designativo militar da mulher (soldado feminino Maria, sd. fem. Maria, cabo feminino Gláucia, cb. fem. Gláucia, sargento feminino Angélica, sgt. fem. Angélica), corresponde a uma analogia com o EPICENO, expediente reservado à indicação do gênero de alguns irracionais mediante o auxílio da palavra macho (a) ou fêmeo (a): cobra macho, cobra fêmea, sabiá macho, sabiá fêmeo, capivara macha, capivara fêmea, jacaré macho, jacaré fêmeo. Isso apenas se emprega para a identificação de bichos — “animais e insetos inferiores” —, conforme com Luís Antônio Sacconi (Gramática Essencial da Língua Portuguesa, 4ª ed., rev., 1.989): “Alguns nomes de animais e insetos inferiores precisam do auxílio das palavras macho e fêmea para a distinção do sexo. Nesse caso, o substantivo se chama epiceno.” Se a mulher já saiu da beatice medieval e da redoma romanesca, para competir com o homem — e até superá-lo! — em atividades convencionais e intelectivas, ela não pode entregar-se ao desrespeitoso desprestígio contido em tão encardido simulacro de epiceno. Em minha tese POLÍCIA MILITAR SOB ENFOQUES DA LITERATURA BRASILEIRA: Análise de Conteúdo e Cosmovisão, na análise dedicada à manifestação contra a polícia feminina, explicitei: Os policiais-militares masculinos, particularmente, reflitam sobre a importância de sua profissão, aperfeiçoem-se e façam o melhor que puderem, pois as mulheres já estão dando provas de que são plenamente capazes de planejar, comandar e executar ações e operações de preservação da ordem pública e defesa social. Eficiência e espírito crítico, inteligência e vontade de ser útil à comunidade, organização e disciplina, coragem e devoção ao dever são virtudes que não discriminam macho de fêmea. E não é de hoje que as mulheres, no Brasil, fazem bonito fora da cozinha, extramuros. Das capitanias hereditárias, pelos idos do século XVI, apenas duas prosperaram: a celebrada chã de Pernambuco, de Duarte Coelho, e a de São Vicente, de Martim Afonso de Sousa. Exatamente aquelas duas governadas e administradas por mulheres. Dom Duarte Coelho, doente, retornou a Portugal e passou as rédeas de Pernambuco — que englobava o território hoje correspondente ao da Paraíba — à sua desembaraçada esposa, dona Brites de Albuquerque, autora de proezas na exploração açucareira. Talvez daí se explique a expressão “paraíba masculina, mulher macha…” Martim Afonso de Sousa também voltou a Portugal para missões militares e deixou procurações com sua igualmente empreendedora mulher, dona Ana Pimentel, que arregaçou as mangas e conduziu São Vicente ao sucesso econômico, o que seu marido, que nunca foi administrador nem gostava de terras, jamais teria conseguido fazer. Eis as duas primeiras grandes capitãs portuguesas em terras brasileiras. O Sistema Ortográfico da Língua Portuguesa oficializa, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (elaborado pela Academia Brasileira de Letras, em razão da Lei nº 5.765, de 18 de dezembro de 1.971, e publicado por Bloch Editores S.A., em 1.981), formas de flexão de gênero dos tais designativos de postos, graduações, círculos, cargos e encargos típicos do ambiente militar ou com ele correlatos, assim: soldado s. m.* ; soldada s. f.**; sargento s. m.; sargenta s. f.; cadete s. m.; cadeta s. f.; aspirante s. m.; aspiranta s. f.; capitão s. m.; capitã s. f.; coronel s. m.; coronela s. f.; general s. m.; generala s. f.; almirante s. m.; almiranta s. f.; marechal s. m.; marechala s. f.; comandante s. m.; comandanta s. f. * substantivo masculino; ** substantivo feminino. Na página 182 do Dicionário de Questões Vernáculas, de Napoleão Mendes de Almeida, está o verbete: “Major, Majora — ´A Majora Ferdinanda Azevedo` (no Exército da Salvação é assim que dizem) é redação que não deve causar-nos estranheza demasiada; o feminino tem aí forma própria possível e justificável, como ainda possível é a terminação aberta ora, encontrada em canora, inodora, Isidora, senhora.” Na página 286 desse indispensável dicionário especializado, com o devido rigor, registra-se: “Sargento, Sargenta — O étimo da palavra permite-nos o feminino sargenta. Se tenente conservou a forma primitiva e presta-se como adjetivo uniforme para os dois gêneros, a forma participial latina serviente deu-nos pelo francês sargent a palavra terminada em o, o que nos obriga à flexão sargenta para o feminino. É o mesmo caso de soldado, também de forma participial latina, cujo feminino é soldada. Não será o fato de não existirem exércitos de mulheres que irá impedir-nos de aceitar, conhecer, flexionar palavras inteiramente de acordo com as normas do idioma, mas o Exército da Salvação aí está com soldadas, sargentas, generalas. Redijamos, sem medo: ´Duas outras sargentas da Polícia Feminina acompanhavam os acontecimentos à paisana como simples convidadas.`” O emérito Filólogo Napoleão Mendes de Almeida condena a flexão feminina dos adjetivos uniformes decorrentes do Latim, como TENENTE, VIDENTE, GOVERNANTE, PRUDENTE, OUVINTE, PRESIDENTE e outros. Tais vocábulos não se flexionam em gênero, enquanto adjetivos. Transfeitos em substantivos — e esse é o caso dos designativos de postos, graduações, círculos, cargos, encargos e demais especificativos do mundo militar! —, esses vocábulos flexionam-se em