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Discurso de Posse como “Acadêmico-Honorário” na Academia Epistêmica de Mesa Capitão-Professor João Baptista Mariano – MesaMariano

BOM DIA A TODOS!

Agradecimentos:

Aos meus pais – Davi Fragoso e Maria José Fragoso (in memoriam);

Aos meus irmãos, especialmente a Maria José Soares (in memoriam);

À minha esposa Irene, uma verdadeira fortaleza a suster minhas inconstâncias vida afora;

Aos meus filhos: Raíssa, Luna e David, razão de todas as razões de minha vida;

Robínson Correa Gontijo (in memoriam) – ex-diretor do SESC MG, bom-despachense apaixonado por sua terra natal e um de seus maiores benfeitores;

Sob as bênçãos:

De Sócrates, o grande filósofo grego e pai da filosofia.

Do Capitão-Professor João Baptista Mariano, patrono desta epistêmica Academia. O mineiro-paulista de Guaratinguetá, que adotou estas terras das Minas Gerais como sua pátria. Obreiro superlativo da Fornalha Epistêmica, ícone da Defesa Social, mentor e arquiteto estratégico-pedagógico do Instituto Militar de Propedêutico da Força Pública do Estado de Minas Gerais (do livro Policiais Militares – Protagonistas da História – pág. 91- Autoria de João Bosco de Castro).

Ao Mestre, Tenente-Coronel João Bosco de Castro, fundador e Presidente da Academia Epistêmica de Mesa Capitão-Professor João Baptista Mariano – MesaMariano, que fez despertar em mim o interesse pelas letras. Desde as primeiras aulas no Colégio Tiradentes de Bom Despache tornou-se referência e inspiração para as artes da palavra e do conhecimento. Pelo deferimento deste honroso laurel de elevar-me a tão nobre dignidade Acadêmica!

Iluminações:

Rogo a luz do conhecimento aos escritores e poetas:

A Luís Vaz de Camões – pela obra épica, poética, antropocêntrica, modernizadora da língua arcaica portuguesa: “Os Lusíadas”;

A Arthur Rimbaud – pelo talento, inconstância e resiliência;

A Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Stéphane Mallarmé, Sá-Carneiro, Joe Keats, Bilac, Goethe, Machado de Assis, Manoel de Barros, Padre Antônio Vieira, James Joyce, Eça de Queiróz, Baudelaire, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Gregório de Matos, Adélia Prado, Florbela Espanca, Cecília Meireles, Walt Whitman e tantos outros, sem me esquecer de meu patrono na Academia Bom-Despachense de Letras, o poeta José D’Avó Gontijo, e reverenciá-lo especialmente.

Saudações:

Saúdo os Ilustres senhores membros desta ínclita Academia Epistêmica de Mesa Capitão-Professor João Baptista Mariano – Mesa-Mariano.

Senhor Presidente!

Neste exordial de meu discurso, irei proemiá-lo com efusiva e respeitosa saudação e agradecimento a V.Sa. e aos componentes dessa egrégia Academia.

Volto o olhar para mim e peço, humildemente, ao grande epistêmico, Sócrates, que derrame suas bênçãos sobre mim, dotando-me de conhecimento. Evoco também a mítica Fênix para que eu possa arder no fogaréu desta casa de saberes e renascer dignamente pleno de competências para integrar este Areópago Epistêmico. Vim ao mundo no dia 14 de março de 1955, dia nacional da poesia, nascimento de Castro Alves, Albert Einstein, Stéphane Mallarmé, São Bento de Núrsia, Infante D. Henrique (o Navegador), Mehmed II (califa mulçumano, responsável pela queda do Império Bizantino e tomada de Constantinopla). Botticelli, Américo Vespúcio, Michelangelo, Descartes, Antoon van Dyck, Vivaldi, Bach, Chopin, Padre Cícero, Grahan Bell, Van Gogh, entre outros. Talvez seja por isto que dizem que as lendas nascem em março. Por óbvio, não é o meu caso.

A memória é um rio biológico que corre para trás!

Sou filho de militar, Sargento-Motorista e mecânico do glorioso 7° Batalhão de Caçadores Mineiros da Força Pública do Estado de Minas Gerais, Davi Fragoso, um dos primeiros choferes do velho GMC daquela unidade militar, e de Maria José (Mascarenhas) Fragoso, mãe! Sábia, inteligente, educadora, rigorosa, bem-humorada, amorosa. Manteve o controle familiar, até pouco antes de sua morte, aos 101 anos.   

Tenho profundo respeito e admiração pela Polícia Militar de Minas Gerais, por sua bravura e sua história inspiradora. Não menos, tenho pelo 7° Batalhão.

Com licença poética a Carlos Drummond de Andrade…

Alguns anos vivi em Bom Despacho, até os 19 anos para ser exato. Em janeiro de 1977, mudei-me para Belo Horizonte, atrás de um sonho de fazer faculdade de jornalismo e depois ir para exterior, preferencialmente para a França, para especialização. Não fui. Entrei para o SESC Minas Gerais, sob a direção do grande amigo, Robínson Corrêa Gontijo (in memoriam)

De volta à poética de Drummond: principalmente, nasci em Bom Despacho. Sou bom-despachense com orgulho. Nasci de parteira, dona Alma, a “mãe de todos os bom-despachenses”.  Alma Maria Hammerich ou Alma Kohnert.

Dona Alma foi quem me soprou a vida. Desde então, minha cidade me acompanha como uma sombra interior, um laivo indecifrável tatuado em minh’alma. Sua excelsa luminosidade, suas cores, imagens, cheiros, seus nomes, ruas, pessoas, sua poesia e sua história se arrastam comigo vida afora. Memórias comestíveis, loucos mansos, essa poesia infundada e um solidéu áureo a me vigiarem, enquanto clamava por círios e carpideiras.

Libaneses, Turcos, italianos, alemães e outras etnias que constituíram a gente de Bom Despacho. Eu vos saúdo!

Sem me esquecer dos negros da costa africana, trazidos escravos para as minas de Pitangui, que, depois do exaurimento do ouro, rumaram para nossas bandas e se estabeleceram na Tabatinga (em tupi, aldeia branca), antigo bairro da cidade. Negros deixaram rastros genéticos e culturais em nosso povo. Negros trabalhadores, com seu linguajar subdialetal, que se misturou ao português e incorporou-se ao vocabulário local. Por isso, temos: Mavero (leite), indústria de laticínios da Coop. Agrop. de Bom Despacho; Cambuá (cachorro), clínica veterinária; Avura (grande, bom), bar; Camberela (carne), churrascaria; Tipura (veja, olhe), revista; Confeconfe (pão), padaria; Canamboia (galinha), granja.

Eu vos reverencio!

A memória é um rio biológico que corre para trás!

Na infância, era um tempo, então, que não passava. Não se prestava a urgências. Eu zanzava perdido em distâncias, estirado no lombo da imaginação a torar léguas sem exatidão em busca de sonhos e poesia. Queria mesmo era me estilingar mundo afora, sem nenhum temor.  Temor único que tinha menino era pegar mijacão. Por isso, arredava de pisar descalço mijo de égua. De resto, tinha mais medo, não. Nasci assim, estigmatizado para errante. Saciado de montanhas, tinha sede de mar. Destarte, sou desgovernado assim, um navegador do impreciso.

A fome de bola era maior que a de palavras. Meu habitat era a lateral do gramado verdejante do campo do Batalhão, para uma pelada antes do treino da equipe do Sétimo. Ou no campinho de cascalho, a esfolar a cabeça do dedão e a alma no pedregulho, correndo atrás de um sonho de ser Pelé ou Mané.   

Menino, idolatrava os jogadores da equipe do Batalhão, com suas jaquetas verde e branca, meias e calções pretos. O cheiro forte de linimento untuoso usado nas fricções manuais para aquecer as pernas dos atletas antes dos jogos se impregnou em mim. Até o hoje sinto aquela olência e vejo o lustro. O perfume forte de cipreste, cerca viva na lateral do campo, também vive a inundar-me as lembranças.

A escalação da equipe sabia de cor, e muitas vezes, em solilóquio, a solfejava, como se fosse um mantra: Graia, Marão, Maranbaia, Mazinho e Mazaropi; João da Pola e Caveirinha; Alaor, Tãozico, Boreia e Miltinho. Pura poesia dita assim, de coração…

Trago lembranças na ponta de um cinzel. Vez em quando, esculpo-as no mármore frio da memória.

De meu pertencer, trazia na algibeira um pôr do sol visto da Cruz do Monte e a majestosa Igreja da Matriz. A Igreja de Nossa Senhora do Bom Despacho, projetada pelo arquiteto José Paula Etelvino, chamado de “Arquiteto de Deus”.

No bornal, minhas raízes e um pio de inhambu, feito por meu pai, para, quando a saudade apertasse, nas tardes secas e sombrias de agosto, eu piar a lembrança de meus mortos.

Longe de minha cidade, apartado pela mão do tempo e do querer sempre o novo, o desconhecido, eu, navegante do impreciso, a dar fado à minha angústia de mar, sempre em busca de outro chão para habitar e partir, então, regurgito palavras, lembranças, nomes me vêm de súbito, sem qualquer me avisar, e me estremecem num sempre susto de permanecer prisioneiro onírico daquele transe. Como, pois, melífluos, saltam da minha boca em voz alta, em intermináveis novenas em rosários de contas de lágrimas.

A palavra impregnou-se em mim, e me nasceu a poesia. Não que eu quisesse nem que houvesse pedido. Pelo contrário, esconjuro! Porque não sou sua morada. Desde então, pareço ungido para um ofício que não me cabe competência, pois que, diletante, competência não tenho nem merecimento. A palavra, dita poesia, tem de pegar delírio, como sentencia o poeta. Tem de pegar susto. Tem de ter pertencimentos, sofrer doações e, depois, ser confessada. Da posse destarte, deste mister não sou capaz. Daí, eu sair ruminando palavras vida afora, repetindo-as, confessando-as, para elas pegarem poesia, e eu, merecimento:

“Jabuticaba avoa? Então engoli um bizorro!” – Perguntava o Romeu das Latinhas. Rua do Céu tem cheiro de Deus. Chico Tó tem gosto de fome. Deus-me-livre, gosto de esconso. Cruz das Dores, cheiro de mulher. Corte do Zé Ingrácio, gosto de agosto. Juca Turco, cheiro de roupa nova. Quenta Sol, gosto de tristeza. Buracão, Rua do Capim, gosto de pobreza. Apito de trem, gosto de Maria-Fumaça. Bar do Ari, Larguinho, Tabatinga, Cine Regina, Beco dos Aflitos, Biquinha, 7° Batalhão… gosto de saudade.

A memória é um rio que corre para trás!

Muito obrigado a todos!

Renato Fragoso.

Belo Horizonte, 22 de fevereiro de 2019.