Marcílio Fernandes Catarino (*)
Em um reino não muito distante, sinais de deterioração em quase todos os segmentos do tecido social ameaçavam a ordem, o progresso e o bem-estar dos súditos, trazendo ao Rei sérias razões para preocupações.
Não obstante manifestar as suas apreensões ao seu numeroso quadro de assessores, recomendando maior empenho no combate aos males do Reino, o Rei percebia que os problemas não apenas permaneciam, mas também se tornavam mais graves e complexos.
Grande parte dos administradores do Rei, apesar de viver nababescamente, recebendo polpudas remunerações, não correspondia no exercício de suas funções, omitindo-se de suas responsabilidades e, muitas vezes, desviando, criminosamente, os recursos destinados às obras públicas e sociais. Através de posturas e atitudes debochadas, mostrava-se inteiramente avessa aos interesses coletivos, legislando em causa própria e concorrendo para o enfraquecimento e desmoralização dos poderes constituídos.
À medida em que o tempo passava, com o consequente agravamento dos problemas, gerando mais pobreza, mais desemprego e insegurança, mais miséria e maior injustiça social, esses assessores do Rei se envolviam em intermináveis conflitos pessoais, na defesa de interesses corporativos e na esterilidade das acusações recíprocas. Enquanto isso, eram os súditos mantidos confusos e desorientados, através de informações contraditórias e da manipulação maquiavélica de alguns organismos da imprensa do Reino que, em conluio criminoso com administradores corruptos, veiculavam notícias distorcidas, com o propósito exclusivo de encobrir a verdade e confundir a opinião pública.
As riquezas do Reino se concentravam nas mãos dos integrantes de uma minoria privilegiada e desonesta que, em parceria com organizações criminosas, se mostrava inteiramente insensível e refratária às necessidades e aos anseios mais elementares da grande massa de plebeus.
O caos ameaçava dominar todos os setores produtivos do Reino, inclusive o grande Pomar, que sempre fora motivos de orgulho do Rei. Até mesmo os diversos integrantes da assessoria real eram favoráveis a que se destruíssem determinadas árvores frutíferas, sob o controvertido pressuposto de serem velhas e improdutivas, contaminadas que estariam por ervas daninhas.
Certa noite, o Rei viu-se visitado, em sonho, por um Grande Sábio de reino distante. De repente, estavam ambos a visitar o Grande Pomar que, na realidade, se estendia por todo o Reino. O Rei, orgulhosamente, apresentava ao Grande Sábio cada árvore do seu Pomar. Esta, dizia ele, chama-se Judiciária e seus frutos possuem alta capacidade nutritiva e de correção dos desvios e desequilíbrios orgânicos. Mas, veja, está totalmente atacada de pragas e, nos rincões mais distantes, onde o solo é mais árido e os recursos mais escassos, quase não produz frutos. No entanto, acrescentou, meus assessores garantem que, em todo o reino, ela pode ser recuperada, reformulando-se a estrutura do seu código genético.
Esta outra se chama Política, a mais atacada e deteriorada pelas pragas, mas que também pode ser regenerada, afiançavam os assessores. Trata-se de uma árvore de suma importância para a sobrevivência do Reino, quando se desenvolve sadia. Os seus frutos, cuja produção é abundante, garantem o alimento a todos os súditos do Reino, desde os mais ricos até os mais pobres, fomentando a estabilidade, a saúde e a harmonia da vida no Reino. Mas, doente como está, quase não produz frutos, para a tristeza, o desalento e a fome em todo o aglomerado social. No entanto, frisava o Rei diante do Grande Sábio, temos esperanças de que as reformas planejadas para dar um novo tratamento à árvore sejam de fato implementadas, de forma a promover a recuperação desta importante peça integrante do Pomar.
E assim, o Rei ia apresentando ao Grande Sábio as demais árvores, tais como a Educanda, a Cultural, a Administração, a Força Federal, e tantas outras, todas atacadas indistintamente por ervas daninhas. Mas, como as anteriores, passíveis de recuperação caso tratadas adequadamente, insistia a assessoria real.
Uma delas, contudo, mereceu um destaque especial por parte do Rei e que despertou maior atenção do Grande Sábio. Seu nome: Força Pública que, segundo afiançou o governador real, há mais de dois séculos e meio vem produzindo frutos abundantes. No entanto, quanto a esta, afirmam os assessores do Rei, está irremediavelmente contaminada pelas pragas, sem condições de recuperação, pelo que deve ser extinta do Pomar. Insinuam que, destruindo a Polícia Militar, estarão eliminando as ervas daninhas conhecidas como a Violência Arbitrária, o Fascismo, o Despreparo, entre outras pragas, que seriam uma exclusividade daquela espécie.
Mas, ela não vem produzindo frutos abundantes, inquiriu o Grande Sábio? Esclarecendo melhor, respondeu o Rei que, além de produzir frutos o ano todo, é uma árvore extremamente resistente, sendo nos recantos mais longínquos e inóspitos do Reino o único exemplar do Pomar a existir e a manter-se produtiva. Apesar de muitas vezes receber tratamento inadequado pela administração do Reino, ela sobrevive e mantém a sua produção frutífera que, naqueles rincões do Reino, são os poucos – senão os únicos – de que os súditos dispõem para saciar a fome. Acrescente-se que a madeira de seus troncos tem sido usada ao longo dos anos, pelos diversos setores do Reino, para a construção de obras nas áreas de Assistência Social, Saneamento Básico, Defesa Civil, Meio Ambiente, entre outras, e de estruturas de apoio e cobertura às atividades desenvolvidas pelos Poderes Constituídos do território real.
Finalmente, verifica-se que a maior parte da sua produção frutífera se destina às classes mais carentes do Reino, sendo os seus frutos distribuídos em domicílio, inteiramente grátis e sem nenhuma burocracia, através de um telefonema, também gratuito, ou de um aceno de mão dirigido a qualquer de seus cuidadores.
Então, por que exterminá-la e não buscar a sua regeneração como as demais, perguntou o Grande Sábio? Em resposta, disse o Rei que os seus assessores julgaram melhor extirpá-la do Pomar, enxertando os seus genes com os de outra espécie da mesma família, na esperança de se obter um resultado híbrido de melhor qualidade, igual aos que teriam sido alcançados por outros reinos distantes.
Alertando o Rei, o Grande Sábio chamou a atenção para os enormes riscos de tal experiência genética, questionando se os assessores tinham o pleno domínio do assunto, sobretudo sobre as afinidades genéticas entre as espécies a serem enxertadas e os sérios riscos que poderia gerar para toda a flora do Reino.
Concluindo, o Grande Sábio alertou sobre os elevadíssimos custos financeiros para o erário, para a realização de uma experiência tão complexa e jamais realizada e, por via de consequência, de resultados duvidosos e indefinidos. O Rei calou-se, sem respostas.
Após meditar acerca das sábias ponderações, o Rei, consciente das pesadas responsabilidades a pesar-lhe nos ombros, suplicou humildemente ao Grande Sábio que o aconselhasse.
Encarando o Rei com olhar sereno, o Grande Sábio recomendou:
“Vá e diga a seus assessores que à pretexto de eliminar as ervas daninhas, existentes em um galho, não é justo e nem sábio destruir uma árvore produtiva, assim como ao combater o mal não podemos aniquilar o bem. Um mesmo remédio utilizado por um reino vizinho, não é garantia de sucesso para a cura do seu pomar real. Cada problema exige solução específica e adequada às circunstâncias que o envolvem, que somente será encontrada mediante esforço sincero e honesto dos setores responsáveis, tendo como objetivo inalienável o compromisso para com o interesse público e os elevados anseios do reino”.
Ao despertar, o Rei sentiu que uma imensa sensação de alívio e bem-estar o envolvia, em razão do que uma fervorosa prece elevou aos céus, em agradecimento à Suprema Inteligência do Universo pelos ensinamentos da noite.
Jun/2024
Marcílio Fernandes Catarino – Coronel Veterano/PMMG – Asp1970
Imagem destacada constituída por duas das 4 imagens geradas pela IA, acionada com as palavras do Título.