A atividade extrativa de minerais é praticada, em Minas Gerais, desde o Século XVII. Desse modo, no Quadrilátero Ferrífero, numa área de 7 mil quilômetros quadrados, são extraídos 60% da produção nacional de minério de ferro, além de ouro e manganês. Porém, quais são as consequências daquele extrativismo desprovido de responsabilidade socioambiental?
Atividade mineradora brasileira
Criada no governo Getúlio Vargas para explorar na região de Itabira-MG, a Vale, outrora Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, é uma das maiores extrativistas de minério de ferro do mundo. Sediada na cidade do Rio de Janeiro, a empresa é privada de capital aberta. Na comercialização de commodities1 ocupa a primeira posição, no ranking do mercado de minério de ferro e pelotas. Suas ações destacaram-se nas principais bolsas de valores mundiais, em consequência das operações desenvolvidas nos cinco continentes e em 14 estados brasileiros.
Na cadeia explorativa mineral, o empreendimento amealhou sólido patrimônio, ao qual integraram-se dois mil quilômetros de malha ferroviária e nove terminais portuários. Mas, no entorno das instalações, os danos ambientais são visíveis e sem precedentes. Os vetores poluentes danificam a flora a fauna e inviabilizam as condições básicas à vida humana. Isso porque, desde a coleta e consequente movimentação do minério, pelas vias terrestres, espalhando muito pó, a céu aberto. Ainda, no processamento das pelotas de minério, culminando na acumulação de rejeitos, contidos pela barragem.
No decorrer de mais de sete dezenas, cresceu a produção extrativista do minério de ferro, no Quadrilátero Ferrífero. Ampliou-se a exploração, suplementada pela moderna tecnologia e o aporte do maquinário, inclusive, automatizado. Paralelamente, crescia a pressão de pessoas preocupadas com a proteção ambiental, o que não era, certamente, desconsiderada pela liderança empresarial.
O crescimento das pressões alcançou organizações não-governamentais. Estas pressionaram o poder público que por sua vez elaboraram as normas visando significativa proteção mediante um controle mínimo, sequer inexistente. Tudo leva a crer que o próprio empreendimento convivia pacificamente com a inexistência da ação fiscalizadora estatal. Pois, o bem-estar ambiental é compromisso primeiro e proclamado na base estratégica corporativa.
Em consequência disso, a norma é descumprida, quando se desconsideram as possibilidades dos riscos iminentes e as orientações técnicas de segurança e a política ambientalista mínima. Aconteceu exatamente o que é firmado. Formaram-se, nas imediações de cada mina extrativa, diversos murundus de rejeitos, cognominados de barragem. São 133 barragens, segundo a Vale. Encontram-se localizadas em Minas Gerais (105); no Pará (21) e no Mato Grosso do Sul (7). Porém, uma barragem que rompe não cumpre sua principal finalidade. Mostra-se desprovida dos cuidados técnicos indispensáveis à contenção desejável e os resultados serão trágicos. Aconteceu um…, depois outro… e quantos mais?
Houve, nesse tempo, com toda certeza, muitos cuidados significativos, em consequência da normativa estabelecida. E uma dessas normas, em meio às leis e decretos dos entes federativos, é a Norma Internacional ISO 26000 2, publicada em 1° de novembro de 2010. Dela, segundo publicação do portal do Inmetro, extrai-se que:
(…) a responsabilidade social se expressa pelo desejo e pelo propósito das organizações em incorporarem considerações socioambientais em seus processos decisórios e a responsabilizar-se pelos impactos de suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente. 3
Tragédias anunciadas
Nos últimos três anos, romperam-se dois murundus… e há mais, prestes a romper, informam a mídia nacional. Aqueles deixaram os estados de aparente repouso. Escorreram livremente pelas encostas. Ganharam os leitos de córregos e rios. Levaram consigo, em meio a lama, a toxicidade pernóstica à vida mineral, vegetal e animal. Assassinaram crianças, adolescentes e adultos. Foram duas, as tragédias anunciadas. A primeira, na região de Mariana. A outra, em Brumadinho. Ambos os municípios integram o Quadrilátero Ferrífero.
Primeira tragédia – “barragem do fundão”
O trágico espetáculo de Mariana ocorreu em dia 5 de novembro de 2015, por volta das 16h30min. Nas informações midiáticas, viu-se e ouviu-se a respeito de um dos maiores desastres ambientais, com o rompimento da “barragem do fundão”. Sob a responsabilidade operacional da Samarco, nas estruturas da unidade de Germano, em Mariana, a barragem acumulava, à época, 55 milhões de metros cúbicos, aproximadamente.
A mineradora mineira contava com o patrocínio acionário da Vale e da BHP Billiton. A despeito disso e de a barragem ter sido considerada estável, sob o pálio da legislação vigente, os empreendimentos são protagonistas daquela tragédia anunciada. Não conseguiram evitar o deslocamento dos “32,6 milhões de m³ de rejeitos” da barragem rompida. As consequências redundaram na destruição de “Bento Rodrigues – distrito do município de Mariana (MG) situado a 8 quilômetros de distância da estrutura de Fundão.”
Além dos danos ambientais, o desastre originou o desaparecimento de ”19 pessoas, entre membros da comunidade e empregados da Samarco e de empresas contratadas, desapareceram. Até junho de 2016, 18 corpos haviam sido identificados e um permanecia desaparecido.” A destruição do deslocamento dos rejeitos alcançou o rio Gualaxo do Norte, impactando o município de Barra Longa, e do rio do Carmo. No Rio Doce, foram derramados “10,5 milhões de m³ de rejeitos […] impactando cerca de 680 km de corpos hídricos da bacia hidrográfica.” Nos 39 municípios mineiros e espírito-santenses, localizados ao longo do leito daquele rio, houve destruição ambiental, registrando-se, perdas irreparáveis. Comunidades que viviam e cultivavam em 2,2 mil hectares tiveram prejuízos subsequentes. Foram privadas do alimento e da água provenientes do rio. Os danos materiais e à fauna e à flora continuaram mar adentro, no continente do Estado do Espírito Santos e estados limítrofes.
Segunda tragédia – “córrego do feijão”
No município de Brumadinho-MG, pouco mais de três anos do episódio de Mariana, ocorreu a segunda tragédia anunciada. Registrou-se, o rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão, por volta das 12h10min do dia 25 de janeiro de 2019. O episódio fatídico, na tragédia de Brumadinho, ocorreu no momento em que muitas pessoas se encontravam expostas ao deslocamento da imensa quantidade de lama. Muitos trabalhadores daquela unidade do empreendimento, estavam no refeitório, localizado abaixo da grande barragem de rejeitos de minério de ferro, pois era hora de almoço.
Mobilizados, os profissionais mineiros das forças de proteção pública agiram prontamente. Os esforços à localização e resgates de corpos foram intensificados. Houve apoio de profissionais, com significativos recursos, das forças federais e estaduais de proteção, inclusive, dos profissionais israelenses. Àqueles profissionais, somaram-se inúmeros voluntários. Atuaram nas multifacetadas atividades de apoio e atendimento aos familiares das pessoas localizadas sem vidas ou ainda desaparecidas.
Passados 26 dias do desastre, diminui a esperança de encontrar sobreviventes entre os desaparecidos. Continua o esforço hercúleo dos militares do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar; dos policiais e peritos e legistas da Polícia Civil. É grande a vontade para a localização de corpos de trabalhadores da Vale, de empreendimentos privados e de hóspedes das pousadas, todos atingidos pelos efeitos perversos dos rejeitos. É igualmente grande o compromisso à identificação dos corpos localizados, assegurando-se aos familiares o direito e a certeza do sepultamento de seus parentes.
Paralelamente àquelas ações, continuam os esforços de proteção ambiental, à fauna e flora, e às pessoas residentes, inclusive, uma comunidade indígena, ao longo rio Paraopeba. O incontrolável derramamento dos rejeitos segue naquela bacia hidrográfica, indicando a necessidade de mobilização de recursos pessoais e materiais, com o objetivo de proteger os sobreviventes e vítimas potenciais dos efeitos danosos propagados, a fim de conter a amplitude de um dos maiores desastres ambientais do mundo.
Outros dois objetivos da ação estatal e do empreendimento estão focados em duas situações distintas. A primeira é evitar a repetição dos erros de reparação imediata, ocorridos após a primeira tragédia. A outra, mais urgente, incômoda e inadiável: evitar o rompimento das outras 103 barragens das existentes em Minas Gerais.
A busca pelo controle emergencial das barragens tem prejudicado as pessoas e comunidades. Iniciaram-se em Barão de Cocais, nas imediações de Gongo Soco; depois em Pinheiros, no município de Itatiaiuçu. Seguiram pelo povoado de Macacos, no município de Nova Lima, Itabirito, região rural de Ouro Preto. As populações daquelas localidades têm sido alvo de muita inquietação e intranquilidade, com reflexos indesejáveis aos seus deslocamentos, no controle das vias de acessos, e às suas atividades econômicas. Tem havido também, consequências desgastantes, no tráfego de veículos, em várias rodovias da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Ações estatais reparadoras têm sido divulgadas. Realizaram prisões de prováveis responsáveis. Há mobilizações, no parlamento mineiro, em busca de novas normativas, e muitas outras ações serão tomadas. Possivelmente, o alvo, como soe acontecer, é a busca de culpados. Mas quem são os culpados? Se, de um lado, o empreendimento privado omitiu ações preventivas de proteção, evitando-se a perda de três centenas de pessoas; por outro lado, não houve a necessária fiscalização que poderia evitar a tragédia anunciada.
Lições dos desastres
As tragédias anunciadas causaram prejuízos. Emergiram problemas, ainda não solucionados. Os relatórios técnicos indicarão alternativas. Poderão ser adotadas ou perdidas no tempo. Quem sabe? Outra consideração é a de que um empreendimento econômico financeiro do porte da Vale, para Minas Gerais e para o Brasil, é muito significativo. As normativas existentes são cristalinas. Impõem a responsabilidade socioambiental com a observância da ética. Eis um princípio inadiável.
Ao Poder Público, responsável pela aplicação material e substantiva da normativa, impõe-se, mediante a Lei Constitucional vigente, a competência das ações preventivas de fiscalização, inclusive, a de inviabilizar a atividade econômica em favor da proteção da vida. A não ser que aquela tem maior valia que essa e ocorre naturalmente situação semelhante à citada pelo Papa Francisco:
“Quando a busca sem limites por dinheiro se torna o único propósito, passa-se por cima da natureza e do semelhante, que é irmão, desconsiderando a obra de Deus – o Criador”.
1 Commodities é uma palavra em inglês. É o plural de commodity, que significa mercadoria. Esta palavra é usada para descrever produtos de baixo valor agregado. Commodities são artigos de comércio, bens que não sofrem processos de alteração.
2 No dia 1º de novembro de 2010, foi publicada a Norma Internacional ISO 26000 – Diretrizes sobre Responsabilidade Social, cujo lançamento foi em Genebra, Suíça. No Brasil, no dia 8 de dezembro de 2010, a versão em português da norma, a ABNT NBR ISO 26000, foi lançada em evento na Fiesp, em São Paulo.
3 Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/qualidade/responsabilidade_social/iso26000.asp. Acesso em 22 de fev 2019.
Respostas de 6
Magnífico artigo, muito abrangente, objetivo e linear, sem vocabulário técnico no caso desnecessário. Merece uma divulgação mais ampla
Muito obrigado, prezado Pedro, pela gentileza da sua participação e considerações pessoais ao post publicado.
Sr Cel Ari, parabéns pelo texto, penso que: se parcela não tão significativa da nossa população soubesse interpretar, talvez a natureza não cobraria.
Obrigado, Major Carlos Braga. De fato, ações humanas mal avaliadas contra a natureza forçam ações incontroláveis da natureza.
Parabéns meu amigo e colega da Turma/75, Coronel Ari de Abreu, pela excelente e esclarecedora pesquisa, que servirá, sem dúvida, para outros estudos correlatos. Abraços. Carlos Gomes de Lima, Tenente Coronel PM.
Obrigado pelo incentivo e pelas gentis palavras, prezado Carlos Gomes.
Um abraço.