Capítulo 10

A Esperança*

 

A esperança é uma das virtudes teológicas. Isso quer dizer que (ao contrário do que o homem moderno pensa) o anseio contínuo pelo mundo eterno não é uma forma de escapismo ou de auto ilusão, mas uma das coisas que se espera do cristão. Não significa que se deve deixar o mundo presente tal como está. Se você estudar a história, verá que os cristãos que mais trabalharam por este mundo eram exatamente os que mais pensavam no outro mundo. Os apóstolos, que desencadearam a conversão do Império Romano, os grandes homens que erigiram a Idade Média, os protestantes ingleses que aboliram o tráfico de escravos – todos deixaram sua marca sobre a Terra precisamente porque suas mentes estavam ocupadas com o Paraíso. Foi quando os cristãos deixaram de pensar no outro mundo que se tornaram tão incompetentes neste aqui. Se você aspirar ao Céu, ganhará a Terra “de lambuja”; se aspirar à Terra, perderá ambos. Essa regra parece esquisita, mas pode-se observar algo semelhante em outros assuntos. A saúde é uma grande bênção, mas, no momento em que fazemos dela um dos nossos principais objetivos, nos tornamos hipocondríacos e passamos a imaginar que há algo de errado conosco. Só nos mantemos saudáveis na medida em que queremos outras coisas além da saúde: comida, jogos, trabalho, lazer, a vida ao ar livre. Do mesmo modo, nunca conseguiremos salvar a civilização enquanto for esse o nosso principal objetivo. Temos de aprender a querer outra coisa ainda mais do que queremos isso.

A maioria de nós acha muito difícil desejar o “Paraíso” – a não ser que por esse nome queiramos dizer o encontro com os amigos que já morreram. Uma das razões dessa dificuldade é que não tivemos uma boa formação: toda a educação atual tende a fixar nossa atenção neste mundo. Outra razão é que, quando o verdadeiro anseio pelo Paraíso está presente em nós, não o reconhecemos. A maior parte das pessoas, se tivesse aprendido a examinar profundamente seus corações, saberia que querem, e querem com veemência, algo que não pode ser alcançado neste mundo. Existem aqui coisas prazerosas de todo tipo que nos prometem isso que queremos, mas que nunca cumprem o prometido. Aquele anseio que nasce em nós quando nos apaixonamos pela primeira vez, quando pela primeira vez pensamos numa terra estrangeira, quando começamos a estudar um assunto que nos entusiasma, é um anseio que nenhum casamento, viagem ou estudo pode realmente satisfazer. Não estou falando aqui do que costumam chamar de casamentos infelizes, férias frustradas e carreiras fracassadas, mas sim das melhores possibilidades em cada um desses campos. Havia algo que vislumbramos no primeiro instante de encantamento e que simplesmente desaparece quando o anseio se torna realidade. Acho que todos sabem do que estou falando. A esposa pode ser uma boa esposa, os hotéis e a paisagem podem ter sido excelentes, e talvez a Química seja uma bela profissão: algo, porém, nos escapou. Ora, existem duas maneiras erradas, e uma certa, de lidar com esse fato.

(1) A Via do Tolo — Ele põe a culpa nas próprias coisas. Passa a vida toda a conjecturar que, se arranjasse outra mulher, fizesse uma viagem mais cara, ou seja lá o que for, conseguiria dessa vez capturar essa coisa misteriosa que todos nós procuramos. A maior parte dos ricos entediados e descontentes do nosso mundo são desse tipo. Eles passam a vida toda pulando de uma mulher para outra (com a ajuda dos tribunais), de continente para continente, de passatempo para passatempo, sempre na esperança de que o último será, enfim, “a coisa certa”, e sempre decepcionados.

(2) A Via do “Homem Sensato” Desiludido – Logo ele conclui que tudo não passava de conversa fiada. “E bem verdade”, diz ele, “que, quando é jovem, a pessoa se sente assim. Quando chega à minha idade, porém, você desiste de buscar o fim do arco-íris.” Então, ele se acomoda, aprende a não esperar muito da vida e reprime a parte de si mesmo que, nas suas palavras, costumava “uivar para a lua”. Essa é, sem dúvida, uma via bem melhor que a primeira; torna o homem mais feliz e não faz dele um problema para a sociedade. Tende a torná-lo um chato (sempre pronto a se achar superior diante dos que julga “adolescentes”), mas, de maneira geral, faz com que ele leve uma vida sem grandes sobressaltos. Seria a melhor opção se o homem não tivesse uma vida eterna. Mas suponha que a felicidade infinita realmente exista e esteja logo ali, à nossa espera. Suponha que realmente seja possível alcançar o fim do arco-íris — nesse caso, seria uma pena descobrir tarde demais (imediatamente após a morte) que, por causa do nosso suposto “bom senso”, sufocamos em nós mesmos a faculdade de gozar dessa felicidade.

(3) A Via Cristã – Dizem os cristãos: “As criaturas não nascem com desejos que não podem ser satisfeitos. Um bebê sente fome: bem, existe o alimento. Um patinho gosta de nadar: existe a água. O homem sente o desejo sexual: existe o sexo. Se descubro em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui criado para um outro mundo. Se nenhum dos prazeres terrenos satisfaz esse desejo, isso não prova que o universo é uma tremenda enganação. Provavelmente, esses prazeres não existem para satisfazer esse desejo, mas só para despertá-lo e sugerir a verdadeira satisfação. Se assim for, tenho de tomar cuidado, por um lado, para nunca desprezar as bênçãos terrenas nem deixar de ser grato por elas; por outro, para nunca tomá-las pelo ‘algo a mais’ do qual são apenas a cópia, o eco ou a miragem, Tenho de manter viva em mim a chama do desejo pela minha verdadeira terra natal, a qual só encontrarei depois da morte; e jamais permitir que ela seja arrasada ou caia no esquecimento. Tenho de fazer com que o principal objetivo de minha vida seja buscar essa terra e ajudar as outras pessoas a buscá-la também.”

Não devemos nos preocupar com os irônicos que tentam ridicularizar a esperança cristã do “Paraíso” dizendo que “não querem passar a eternidade tocando harpa”. A resposta que devemos dar a essas pessoas é que, se elas não entendem os livros que são escritos para adultos, não devem palpitar sobre eles. Todas as imagens das Escrituras (as harpas, as coroas, o ouro etc.) são, obviamente, uma tentativa simbólica de expressar o inexprimível. Os instrumentos musicais são mencionados porque, para muita gente (não todos), a música é o objeto conhecido nesta vida que mais fortemente sugere o êxtase e a infinitude. A coroa é mencionada para nos dar a entender que todo aquele que estiver reunido com Deus na eternidade tem parte no seu esplendor, no seu poder e na sua alegria. O ouro é citado para nos dar a ideia da eternidade do Paraíso (o ouro não enferruja) e também da sua preciosidade. As pessoas que entendem esses símbolos literalmente poderiam também pensar que, quando Cristo nos exortou a ser como as pombas, quis dizer que deveríamos botar ovos.

* Páginas: 178 a 183.

LEWIS, C. S., 1898-1973.
Cristianismo puro e simples: Edição revista e ampliada, com nova introdução, dos três livros: Broadcast Talks, Christian Behaviour e Beyond Personality /C. S.LEWIS; Tradução Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolia; Revisão de tradução Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Marcelo Brandão Cipolla; Revisão técnica Ornar Alves de Souza – 3ª. ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 300 p.