CANÇÃO DA TERRA
(pensamentos por emoção).
João Bosco de Castro. *
O Antropólogo-Folclorólogo Saul Alves Martins renovou, em 1998, sua poética e deleitosa Canção da Terra, dada a lume em 1955.
Tal Livro dissemina encantamento entre os espíritos sensíveis à Beleza, mediante versos regozijantes e deliciosamente amenos.
Saul Martins é Poeta, por agradável, não por versejador! Em prosa e em verso, Ele é maravilhoso, sugestivo e enfeitiçante, porque recriador, na voz de Teodoro de Cirene: “…, tornamo-nos agradáveis, servindo-nos de expressões novas… o pensamento é paradoxal e não está de acordo com a opinião (…) admitida.”
Saul é Poeta em prosa, como n’O Catrumano, de Os Barranqueiros, mas refinadamente Poeta nos versos de Canção da Terra e Lagartas-de-Fogo: Poeta por realizador da alogicidade metafórica palpitante na coisa diferente e insinuada pela palavra plurissignificativa, por mestre no arranjo do presente-eterno embutido na a-historicidade irrefutável da conotação renovadora, e por hábil na arquitetura da abstração verbal contida na anarratividade implícita em estados de alma em vez de em acontecimentos ou ações.
Em Canção da Terra, a singeleza das coisas torna excelsa e inexplicável a dimensão lírica da palavra estética, em sublime consórcio com a expressão musical esparsa em figuras de linguagem, cesuras, métricas, rimas e ritmos engenhados para fazer transmutações sensoriais do feio e nojento para o bonito e virtuoso, como em Arrudas: soneto lírico tecido em decassílabos entre heroicos e sáficos. A habilidade estética de Saul torna belo e delicioso o atual sujo e desagradável Ribeirão Arrudas, impiedosamente massacrado por esgotos fedorentos e podres da Capital Mineira.
Eis o bucolismo concomitantemente zoomorfizador e antropomorfizador fulgente no primeiro terceto dessa dádiva poética:
“Já não abrigas em teu seio a vida,
Fogem-te os beijos da perdiz garrida
E a frescura do verde palmeiral.”
Pelo “inutília trúncat” dos Árcades, o desejado Poeta-Coronel barranqueiro de Januária humaniza, com suavidade, a vida circunjacente ao ribeirão infectado por dejetos expulsos por esfíncteres do homem.
O poder mágico da metáfora, na primeira quadra do primeiro dos três sonetos constitutivos do poema Flagelados, recria fenômenos cotidianos da existência:
“A tarde era tão bela e bruscamente
O manto azul do céu desaparece,
O vento ladra, já raivosamente,
E todo o firmamento se enegrece.”
Mesmo em canções heroicas, Saul Alves Martins mostra-se aprazivelmente lírico, à moda parnasiana de emprestar plástica individualista e emocional, com fulcro no presente-eterno, às situações historiosas e historiáveis da labuta humana, como o faz na última estrofe e estribilho da Canção do Lavrador:
“Em casa, à noite, do labor cansados,
Tocais viola, namorando a lua,
Canta o vaqueiro, ao longe, além do prado,
Descendo a estrada nua,
A recolher o gado.
Multiplicai os campos verdejantes,
De raça forte sois representantes!”
Em Canção da Terra, Saul Alves Martins reconsagra-se Poeta, com apurada e louvável sensibilidade artística e indiscutível técnica de urdidura do verso tradicional: métrica, escansão, harmonia vertical e horizontal (ritmo dos versos e das estrofes), cesura, rima, estrofação, eufonia e literariedade. Isso esplende em sonetos (inclusive com extensão linear de redondilhos maiores e dissílabos, numa geometria raríssima), acrósticos, poemas de variada estrutura (estrófica, métrica, melódica e frasal), canções e trovas. Ele faz, provavelmente como exercício estético-intelectual, alguns poemas tramados em versos livres, dentre os quais Saudação à Bandeira assume suprema grandeza:
“Tu resumes toda a história do nosso povo,
Seus anseios de independência
E sonhos de liberdade.
Tremulaste gloriosa em frentes de batalha,
Aqui
E além…
(…)
Bandeira do Brasil,
Eu te saúdo!”
Canção da Terra ilustra e revigora a juventude literária de Saul Alves Martins: Poeta recriador da vida pela magia conotativa da linguagem e articulador da complexidade rítmico-emotivo-conceptual dos conteúdos da imaginação, fonte melhor do Belo, por meio de palavras sugestivas e polissêmicas.
Hoje, quando se comemoram cem anos redondos e respeitáveis de seu nascimento “no chão da estrada velha do Pandeiro”, Freguesia norte-mineira de Januária, nosso Desejado Poeta, “lá do outro lado do caminho” da banda transversa da Terceira-Margem do Léthys, nas sensações estéticas e expressões grandiloquentes, continua sua revolução intelectual de agradar aos espíritos amantes da metáfora, eruditos ou brutos, com seara de versos originária da semeadura de pensamentos por emoção.
Belo Horizonte-MG, 1º de novembro de 2017.
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*JOÃO BOSCO DE CASTRO: Professor de Línguas e Literaturas Românicas, Ciências Policiais, Ciências Militares da Polícia Ostensiva, Ética, Historiografia de Polícia Militar e Crítica Textual aplicada às Ciências Militares. Oficial reformado da PMMG. Romancista, contista, poeta, ensaísta e crítico literário. Jornalista do Pontopm.
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