Marcílio Fernandes Catarino (*)
No já distante ano de 1967, um grupo de jovens sonhadores dos diversos rincões do Estado Mineiro e dos estados do Amazonas, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vencedores do certame para o Curso de Formação de Oficiais (CFO), davam início a uma longa jornada, que transformaria a vida de todos. Fora acesa, naquela época, a “Chama do Archote” que, no início, tremulava tênue e incerta.
Vivia o país o terceiro ano do Regime Militar, quando o Exército, atendendo ao pujante apelo de praticamente toda a sociedade brasileira, impediu a instalação do Regime Comunista no país, que teve na pessoa do então Presidente da República João Goulart seu principal articulador.
Esse movimento cívico-militar, cuja real história e motivação foram corrompidas e deturpadas pelas narrativas esquerdistas, contou com a atuação preponderante do governador do Estado de Minas Gerais, com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, da Igreja Católica, do setor empresariral e da grande mídia nacional.
Cedendo às pressões que se seguiram, o Presidente João Goulart abandonou o cargo se exilando no Uruguai, pelo que foi declarada a vacância pelo Congresso Nacional, com as consequências que já são do conhecimento público.
Foi nesse ambiente, com o país retomando o império da lei e da ordem, que a turma dos Aspirantes 1970, da qual sou honrosamente integrante, iniciou sua formação militar (literalmente), já que a ênfase na formação e treinamento nas Polícias Militares era voltada, prioritariamente, para a preparação seus efetivos como forças auxiliares reservas do Exército Brasileiro, nos termos da Carta Magna do país.
Não seria um exagero afirmar-se que aquelas Polícias Militares, que tratavam com extremado rigor os preceitos disciplinares e hierárquicos, o culto aos mais sagrados valores éticos e morais e os memoráveis feitos de bravura e heroísmo de seus antepassados, já não mais existem, engolidas que foram pela inevitável modernização das sociedades e, especialmente, da tecnologia. Todavia, jamais se
afastaram do culto à Hierarquia e a Disciplina, bem como aos mais elevados preceitos da ética e da moralidade.
Nesse contexto, fomos preparados com esmero no domínio das matérias militares, como a Ordem Unida, a Maneabilidade, as Operações Militares diversas, a Preparação do Terreno nas ações de combate, o Armamento e Tiro (em que éramos desafiados a montar e desmontar um fuzil com os olhos vendados), entre outras, tudo visando nos preparar para “combater e neutralizar o inimigo”.
O dia 02 de julho de 1969, pouco mais de um ano antes da nossa formatura, se revelou com uma grande surpresa: a publicação do Decreto-Lei 667, que tratava da reorganização das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Territórios e do Distrito Federal, e outras providências. Como destaque principal, entre as diversas alterações para a área da Defesa Social, o aludido documento atribuía às PM a competência para o exercício da polícia ostensiva, COM EXCLUSIVIDADE.
Extraordinária mudança de rumos para as Forças Públicas Estaduais…! De repente – não mais do que de repente – as PM se viram na contingência de mudar o foco da formação dos seus efetivos, preparando-os para a nova missão, a POLÍCIA COMUNITÁRIA, praticamente inexistente, mas que se podia notar ainda muito incipiente, de modo particular nas diversas frações destacadas nos municípios do Interior Mineiro.
Faltava aos destacamentos, com raras exceções e na nossa modesta visão, não apenas uma doutrina de emprego consolidada, mas, sobretudo, uma interação entre os comandantes e os diversos segmentos representativos da sociedade local. As relações e contatos, quando exigidos pelas circunstâncias, eram tão somente protocolares.
O que fazer, então, com o cabedal de conhecimentos auferido nos quatro anos do CFO, muitos se perguntavam…! Somente anos mais tarde constatamos que nenhum aprendizado se torna inútil ou se perde com o tempo. A higidez física, ética e moral, o profundo aprimoramento do conhecimento intelectual, aliados à força mental desenvolvida e ao compromisso com os resultados, valiosos legados da Antiga PM, foram fatores fundamentais para o sucesso da nossa atuação no campo da Polícia Ostensiva.
Assim, praticamente às vésperas da nossa formatura, deixávamos de ser os “Soldados de Guerra”, para nos tornarmos os “Anjos da Guarda”, com a sagrada missão de proteger e socorrer “com qualidade e efetividade”.
Com a nossa formatura, no dia 11 de dezembro de 1970, partimos para as Unidades em que fomos classificados, com o grande desafio de contribuirmos para com a implantação e consolidação de uma nova “Nova PM”.
Da mesma forma e confiança com que iniciamos a carreira na “Antiga PM”, nos empenhamos na intensa busca de processos que contribuíssem para com o rápido aprimoramento da estrutura organizacional e a consolidação de uma doutrina de emprego da Nova Força Pública, que a tornasse compatível com as necessidades dos novos tempos. A ciência e a tecnologia, que experimentavam forte impulso desenvolvimentista à época, nos ofereceram um extenso campo de pesquisas e de suporte.
Vários foram os Aspirantes 1970 que tiveram participação de destaque nesse esforço ingente, tanto no setor administrativo quanto no operacional, cujos avanços colocaram a Força Pública Mineira na vanguarda do processo de renovação institucional, que envolveu todas as Polícias Militares do país. Um momento extremamente importante no caminhar evolucionário da corporação, em que foram edificados os novos pilares que iriam sustentar a Corporação Renovada, bem como os inevitáveis avanços que, certamente, seriam exigidos futuramente. Ressalte-se como importante fruto desse esforço a inauguração do novo Centro de Operações Policiais Militares (COPOM), ainda na década de 1970, o primeiro inteiramente informatizado do continente Latino-Americano.
Essa vivência num ambiente de verdadeira dicotomia nos permitiu a conquista de uma experiência “sui generis”, até então não experimentada por nenhuma outra turma. Conquista que, em absoluto, não nos tornou melhores do que as demais turmas, mas especialmente diferentes. A rica e bicentenária história da nossa gloriosa PMMG nos demonstra que, em cada época, ela sempre correspondeu aos elevados anseios da sociedade, o que lhe garantiu o honroso título que lhe foi prestado de “Patrimônio inalienável e reserva moral do povo mineiro”. Prova inconteste do valor e compromisso, sempre presentes, de todos os seus integrantes.
Hoje, às vésperas de comemoramos 55 anos de formados, cumpre-nos o dever de elevar ao Supremo Criador o nosso preito de gratidão pela oportunidade que nos foi dada de termos aprendido e ensinado novas lições; de prestarmos tributos aos inesquecíveis irmãos, que hoje continuam suas jornadas na outra margem do Grande Rio da Vida, pelos belos capítulos que escreveram, que iluminam a nossa rica história; por termos sempre ao nosso lado as nossas queridas esposas que, com seu incondicional amor, nos fortaleceram e sustentaram nos momentos mais difíceis. Finalmente, por constatarmos que continua acesa a Chama do Archote, símbolo sagrado da sincera amizade que nos mantém unidos, agora tremulando forte e pujante.
Salve Aspirantes de 1970, a um tempo “GUERREIROS” e “ANJOS DA GUARDA”, a velar pela paz e liberdade do povo mineiro.
25Jan2025.
(*) Coronel Veterano PMMG / Aspirante 1970.
Uma resposta
O artigo “ASPIRANTES 1970 / PMMG: UMA TURMA ESPECIAL”, escrito pelo Marcílio, oferece uma perspectiva pessoal e histórica sobre a formação da turma de aspirantes 70, da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), durante um período conturbado da história brasileira, marcado pelo regime militar.
Muito boa a Contextualização Histórica. Inicia o artigo situando o leitor no contexto político do Brasil em 1967, durante o regime militar.
A menção à “Chama do Archote” simboliza a esperança e a determinação da turma em um período em que o país vivia um período de muitas controvérsias.
Essa configuração histórica é essencial para entender a formação militar recebida, bem como a subsequente atuação.
Muito oportunamente faz referência à narrativa que justifica a chamada Revolução de 1964 como uma ação necessária para combater o comunismo, refletindo uma visão unânime aos militares daquela época.
Em nossa Formação Militar e Valores
descreve o rigor dos ensinamentos recebidos pela turma, enfatizando a disciplina, hierarquia e os valores éticos e morais que eram cultivados.
Essa formação abrange não apenas aspectos técnicos e táticos, mas também uma forte ênfase na construção de um caráter militar que valorizasse a proteção da sociedade. A descrição dos treinos, como desmontar um fuzil com os olhos vendados, evoca a dureza e o comprometimento exigidos dos futuros oficiais.
Mudanças Sociais
foram observadas, o que, apesar de a essência da formação militar ter se mantido em termos de hierarquia e disciplina, as Polícias Militares enfrentaram mudanças significativas devido à modernização da sociedade e das tecnologias.
Essa constatação provoca uma reflexão sobre como as instituições militares se adaptam a novos contextos sociais e às demandas contemporâneas, preservando, ao mesmo tempo, suas tradições.
As “narrativas esquerdistas” que, segundo ele, distorcem a verdadeira história do regime militar no Brasil.
Essa postura revela a polarização que ainda permeia o debate sobre esse período, evidenciando a dificuldade de se criar um consenso sobre os legados da ditadura. A interpretação apresentada pelo Marcílio pode ser vista como uma defesa da posição militar, a qual muitos ainda sustentam como justa e necessária.
Conclusão
O artigo é não apenas uma reminiscência do passado, mas também uma defesa da formação e dos princípios que moldaram sua trajetória como oficial da PMMG. Ele provoca uma reflexão sobre a evolução das forças armadas brasileiras, a relação entre a história e a memória coletiva, e os desafios enfrentados pelas instituições militares em tempos de mudança social e política.
Em suma, “ASPIRANTES 1970 / PMMG: UMA TURMA ESPECIAL” é uma contribuição importante para o debate sobre a história militar do Brasil, repleta de emoções pessoais e convicções, que pode suscitar tanto identificação quanto controvérsias no leitor.
* Contribuição da IA, devidamente “endireitada” por mim dada a utilização de termos inapropriados para nossos padrões de formação.