Brasil é membro do BRICS, onde há países antagônicos aos EUA.
Como isto afeta o agronegócio brasileiro?
Dentre os decretos assinados pelo recém empossado presidente dos EUA, Donald Trump, três deles têm repercussões internacionais que podem afetar os interesses do Brasil, inclusive os do agronegócio.
O primeiro é o favorecimento aos produtos e serviços “made in USA”. O que implica sobretaxar produtos importados pelos EUA. Neste aspecto, o setor rural brasileiro deve ficar atento ao movimento “Fazendas aqui, florestas lá” apoiadores da eleição de Trump.
O segundo é o distrato da participação dos EUA ao Acordo de Paris e a desfiliação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Significa que os EUA passam a realocar internamente os recursos que seriam gastos com reparações climáticas e com a gestão internacional da saúde.
Na questão ambiental, a saída do Acordo de Paris significa a diminuição do Mercado de Carbono, pois os EUA seriam um dos maiores financiadores de projetos ambientais em outros países. O Brasil perde uma fonte importante de recursos.
O terceiro é a utilização de forças militares para reprimir o fluxo imigratório ilegal. Neste caso, a necessidade da intervenção militar pode ser interpretada como um duro recado aos países que fecham os olhos às emigrações ilegais de seus cidadãos, contrariando as leis internacionais da obrigatoriedade da obtenção do visto de entrada a um outro país.
Recentemente, o Brasil foi um dos países signatários da nota de protesto à política de deportação do governo Trump. O documento foi assinado durante a reunião sobre “Mobilidade Humana na Rota Norte do Continente” conjuntamente com o México, Venezuela, Haiti, Honduras, Cuba, Guatemala, El Salvador e Colômbia. O que pode passar a impressão de ser uma nação condescendente com a emigração não documentada.
Geopolítica multipolarizada
Ao priorizar os assuntos internos estadunidenses, o presidente Trump abandona de vez a Doutrina Truman. Instituída no pós-guerra para conter a expansão internacional do comunismo, a Doutrina é um conjunto de cooperações econômicas dos EUA com outros países. Foi muito utilizada para preservar os interesses estadunidenses no plano internacional por meio de compensações.
A Doutrina fazia sentido enquanto a geopolítica mundial era bipolarizada entre os EUA e a URSS. Atualmente, com um mundo multipolarizado, os EUA dividem a atenção com os seguintes blocos geopolíticos: União Europeia, BRICS, a comunidade muçulmana internacional liderada pelo Irã, e os países de interesses avulsos, dominados por forças paramilitares do narcotráfico ou de viés terrorista.
Apesar de o Brasil ser um país membro do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, bem como por outros membros recém-admitidos – Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia, a diplomacia brasileira é reconhecida por ser pragmática, o que pode manter saudáveis as relações nacionais com os EUA.
O BRICS, como sabemos, reúne, dentre seus países membros, o Irã, que tem os EUA e Israel como inimigos declarados. O grupo reúne também outros países com grandes poderes de influenciar as relações econômicas internacionais, tais como a China, a Rússia, a Índia e as nações árabes endinheiradas pelo petrodólar.
Balança comercial
Quanto ao comércio bilateral Brasil-Estados Unidos, por questões de interesses empresariais entre ambos os países, o volume das importações e das exportações deve se manter nos mesmos patamares.
Atualmente, exportamos para aquele país petróleo, aço, ferro, café, carnes, suco concentrado de laranja e aviões.
Os principais produtos importados dos EUA são adubos e fertilizantes, motores de avião, gás natural, gasolina, carvão mineral, óleos lubrificantes, medicamentos e produtos farmacêuticos.
Em termos de valores, existe um equilíbrio entre o montante arrecadado com as exportações e o gasto nas importações.
Quando se trata de investimentos diretos, os EUA são de longe o país estrangeiro que mais aplica recursos no Brasil, tanto no capital de empresas quanto em fundos de investimentos de risco.
Big techs
O decreto presidencial de proibição dos filtros de censura nas redes sociais utilizadas pelos norte-americanos, apesar de ter abrangência interna, reverbera em outros países.
No Brasil, a política nacional de combate à desinformação, exige que as empresas detentoras de redes sociais, mantenham filtros que impeçam a replicação de assuntos considerados insufladores pelo governo.
Essa exigência causou divergências entre a rede social X, de Elon Musk, e as esferas judiciárias brasileiras. Uma das consequências é o processo de substituição pelo governo brasileiro dos sistemas de acesso à internet via satélite da Starlink, de propriedade de Elon Musk, pela sua concorrente chinesa SapaceSail.
Recentemente, Mark Zuckerberg se rendeu às exigências brasileiras e ordenou que o Facebook, WhatsApp e o Instagram mantivessem, no Brasil, os seus filtros controladores de desinformação.
À exceção de Bill Gates da Microsoft, os principais investidores norte-americanos nas Big Techs (Google, Facebook, Amazon, além de Elon Musk) participaram efusivamente da posse de Trump, de quem ouviram a concessão de investimentos públicos no desenvolvimento da inteligência artificial, na exploração espacial e em moedas digitais.
O fato de o empresário Elon Musk participar diretamente na equipe de gestão do governo Trump não significa oposição ao governo brasileiro, considerando que todo grande empresário toma atitudes pragmáticas.
O agronegócio e o carbono internacional
A geração de carbono decorrente de atividades rurais passou a ser um pretexto para impor restrições do acesso ao mercado internacional, tendo como alvo principal o Brasil.
Apesar de praticamente não existir atividade produtiva isenta do lançamento de carbono na atmosfera, por razões geopolíticas, o setor rural passou a ser alvo de barganhas comerciais muitas vezes em detrimento do Brasil.
Como terceiro maior produtor rural mundial, e diante das restrições à emissão do carbono agropecuário por alguns países, o Brasil passou a exportar para a região mais populosa do planeta, as nações localizadas na Ásia. O que mexeu com o xadrez geopolítico das nações hegemônicas.
Desde a Doutrina Truman, os EUA fizeram da exportação de alimentos uma política de troca de interesses a título de ajuda humanitária. Assim, o governo dos EUA era os maiores compradores da produção agrícola local, o que deixou os agropecuaristas norte-americanos numa zona de conforto.
Em tempos onde o carbono agropecuário virou moeda de barganha, o lema “Fazendas aqui, florestas lá” é uma mensagem poderosa que sugere que os produtores rurais brasileiros podem ser culpabilizados pelas consequências das alterações climáticas.
Como o carbono lançado na atmosfera percorre todo o planeta, a questão é tratada num foro internacional. Por razões não transparentes, o setor rural é responsabilizado.
Para o Acordo de Paris, no Brasil, o agronegócio é responsável por quase três quartos das emissões de gases de efeito estufa. A principal fonte de emissão no país é a mudança de uso da terra, que está associada ao desmatamento.
Em outras palavras, isso pode ser pretexto para que o governo americano passe a subsidiar a produção agropecuária local, e com isso, retomar as barganhas geopolíticas nas exportações de alimentos.
A gestão Trump trouxe desafios ao Brasil, mas também destacou a necessidade de diversificar mercados e fortalecer a diplomacia pragmática. O agronegócio brasileiro, ao mesmo tempo em que enfrenta barreiras, demonstra capacidade de adaptação, consolidando-se como um ator estratégico no cenário global